sexta-feira, 28 de março de 2008

Sonho II

Essa casa é familiar não é? É a mesma que você conheceu como seu ficante, seu namorado e hoje encara como amigo. Uma entrada pela cozinha, a sala que você dormiu acompanhado por ela ao som de músicas ou filmes e um quarto que te dói ver mais do que queira admitir.

Mas de certa forma essa casa não é a mesma que esteve antes. Agora é a casa dela. Não existem mais um quarto para os pais e a decoração é outra. Sinto o mesmo cheiro dos móveis que a memória não permite esquecer, mas existe algo mais.

- Me acompanha até o quarto. Quero te apresentar alguém.

Suas mãos me guiam, levando um corpo trêmulo de medo ao conhecer seu novo amor. Paramos em frente a porta uns instantes e ela sorri ao abrir.

O quarto está diferente, cheio de tons de amarelo, lilás e pequenos brinquedos espalhados pelo chão. Um bebê está deitado nessa cama, ele encara o teto com um sorriso doce e tenta buscar algumas estrelas acima dele.

Olho para essa criança com um afeto e inveja. Não consigo me mexer, fico simplesmente estático, prisioneiro de um sorriso e pele que parece fazer parte da manta que o cobre.

Ela busca a criança no colo, duas peles brancas, dois lábios rosa e a diferença dos olhos verdes dela com o castanho dessa pequena que sorri ao se aproximar de mim.

- Você sempre quis uma menina não é? Segure sua filha no colo.

Pego essa criança e não consigo parar de chorar. Quero muito estar firme, quero não ter que sentar no chão, quero olhar para seus olhos com segurança, mostrando que mudei, mas não consigo. Só estou abraçado com essa pequena menina e a embalando como o resgate a mim mesmo.

Então alguém surge, um grupo de pessoas com som alto, bebidas, roupas sujas... Falam e bebem muito e toda a casa é uma enorme festa. Em algum momento estou sem a menina em meus braços, estou perdido em uma casa pequena e não entendo como.

Pessoas esbarram uma nas outras e chamo por ela, chamo pelas duas e ninguém parece se importar, estão todos bêbados.

Abro uma porta, que parece ser uma dispensa e encontro minha filha em cima de uma estante de sapatos. Vejo sua mãe com o nariz enfiado em um prato, ela levanta a cara cheia de cocaína, que suja seus cabelos ruivos e mantêm seus olhos verdes, estourados e vermelhos.

- O que foi? Que porra você está fazendo aqui?

- O que você está fazendo? Você nunca precisou disso! Sempre odiou essas merdas.

- Me larga seu idiota! Te odeio. Você é a pior pessoa com quem já pensei em me envolver. Seu imbecil!

Busco a menina com cuidado entre os sapatos, só quero sair de lá com ela o quanto antes. Mas sua mãe está louca. Puxa a menina dos meus braços e ouço seu pequeno braço estalando enquanto a menina chora assustada e com dor.

- Pára com isso por favor. É sua filha... Pára com isso.

- Por quê acha que te chamei aqui? Para que soubesse que nada que vem de você serve para algo.

Ela arremessa a criança com força contra a parede e uma menina morta, com uma mancha avermelhada em seu rosto, me encara com seus olhos doces pela última vez.

2 comentários:

Mah disse...

metáforas.

angelica duarte disse...

coisa que Freud explica.
ou coisas que o inconsciente mostra e não se deseja ler nas entrelinhas.