quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Brigadeiro e música

Nadir estava com a colher de brigadeiro ainda presa pelos dentes enquanto procurava dar o play no som. A bateria era tão fraca e ela tinha comido tantas colheres que nem sabia se a onda tinha começado ou se era hora de trocar de controle ou quem sabe de som.

- Por que diabos a gente inventou de comer isso mesmo?
- Você disse que queria ficar doida não foi? Ainda estou para conhecer uma forma melhor de bater do que comendo.
- Mas agora fiquei com vontade de fumar. Quero um pouco de fumaça ou pelo menos alguma outra coisa...
- O que você tá fazendo com esse controle?

A primeira crise de riso começou nessa hora.

- Acho que estou tentando trocar a música. O que estamos ouvindo?
- Tom Waits... Acho.
- Tá. Eu gosto, não conhecia.
- A gente ouvia quando estava ficando.
- É?

Marina ficou sem graça e era ainda mais bonita quando estava irritada ou sem graça.

- Você está ficando com alguém?
- Para quê?
- Sei lá... Por que estou perguntando? Ou por que ficar com alguém?
- Não sei. Me dá um pouco do brigadeiro?
- Você não respondeu.
- Acho que quero um pouco de vinho.
- Passa um café para gente?
- Café?
- É que ainda estou com vontade de fumar.

A taça de vinho estava manchando a toalha e a mesa, mas a atenção de Marina era na xícara com uma fumaça indo de encontro aos lábios de Nadir.

- Fiquei com a Dri na semana retrasada.
- Quem?
- Dri. A amiga da Fabiana.
- Por que você tá me falando isso?
- Você me perguntou se eu estava ficando...
- Ah, tá! Com a Dri é? Ela é bem estranha... Não gosto dessa menina!

Ela senta ao lado de Marina, deixando a coxa bem próxima do joelho levantando um pouco mais ao vestido. Ou apenas estava distraída talvez.

- Você merece uma pessoa legal e não essas chatinhas cheias de paranoias. Você é bonita, beija bem e mega engraçada. Pelo menos quando se esforça um pouco.
- Eu me esforço um pouco toda manhã.

Nessa segunda crise de riso Marina deixa seu olhar prender um pouco mais no sorriso. Aqueles exatos segundos a mais que fazem perceber que você está bancando a idiota.

- Ah, Nina... Nossa ainda tenho tanto tesão por você sabia?
- Só quando tá alta...
- Quê?
- Me dá um beijo?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Eleições Brasilienses

- E por quê você vai votar na Marina?
- Pelo mesmo motivo da semana passada.

Já estava cansado de toda a vez ser a mesma discussão a mesa. Cada dia mais próximo das eleições parece que só tinham um assunto. E era praticamente impossível tentar beber acompanhado sem ter que responder a esse Vox Populi.


- Isso é um desperdício de voto. Você sabe muito bem que ela não vai ganhar.
- Mas não é para ela ganhar. Quero uma repercussão, quero um porcentual, estou votando em uma ideia.
- Mas ela não vai incomodar a Dilma. A Dilma vai ganhar no primeiro turno.
- E o que eu tenho com isso? Não sou eu que vou ganhar um cargo em algum escritório para um serviço burocrata qualquer que vá durar quatro anos. Na verdade você não deve estar tão seguro da vitória se precisa tanto de um voto.

Ali foi o ponto que a conversa fechou, os presidenciáveis já estavam fora do debate e então duas cervejas vieram e consegui até mesmo beliscar um pedaço de fígado com jiló antes de voltarem ao tema.

- Mas para governador você vai votar no Agnelo não vai?
- Mas que caralho... Não sei ainda. Talvez.
- Como assim, talvez?! Você vai deixar aquele bandido do Roriz ganhar?
- Eu?! Caso ele seja eleito, será o TSE, todo o curral eleitoral juntamente com essa classe média privilegiada que o elegeu. Eu não vou votar nele. E agora que você tá me enchendo o saco com essa conversa é que estou pensando seriamente em nem votar mais no Agnelo também!
- Mas como assim?
- Primeiro que não considero o Agnelo uma excelente opção. Sem contar a merda do seu vice.
- Mas você tem que escolher alguém com uma intenção de voto que faça diferença.

- Porra para de ser pentelho! Tô aqui querendo beber uma cerveja sem essa boca de urna do meu lado. Já escolhi os meus votos e não preciso de nenhum petista desesperado para ficar me xaropando. Vocês são piores que os crentes!

Alguém solta uma gargalhada em outra mesa.

- Decidi. Só de raiva não mais votar no Agnelo. Agora você vai poder voltar para casa pensando que ao ajudar a conscientização do povo alienado brasiliense acabou perdendo um voto por puro pedantismo. Mas pode ficar tranquilo porque graças ao Cristovam, vou clicar um 12 na urna tá?


Vencido o militante sai com ares de quem não pode convencer alguém sem visão e interesse político. E finalmente posso usufruir da minha porção de fígado com uma cerveja estupidamente gelada para escapar da seca cruel de Brasília.

domingo, 12 de setembro de 2010

Pescaria

Fiquei parte dessa noite pensando um pouco no cheiro da maresia nas pedras da praia do flamengo. Junto delas um garoto com seus seis anos estava aprendendo a pescar tão empolgado que deixou a isca cair duas vezes em meio ao bater de espumas brancas atraindo ainda alguns poucos peixes que em breve iriam encher um balde.

A linha era transparente e um pouco mais grossas das usadas para empinar pipas, pequenos sonhos feito de papel de seda e rabiola de jornal velho picotado, que parecem subir mais por conta de quem a segurou para você do que por sua própria corrida descalço de olhar firme para o sol.

Engraçado o modo como a vara ia se inclinando junto do ir e vir do mar, fazendo pequenos riscos cortando o azul de um lado para o outro, parecido demais com um ombro ao seu lado cantando um samba antigo que ainda não entende por inteiro, mas que faz uma criança não perceber o passar do tempo.

Quando a linha puxa é como encontrar um doce em cima de sua cama, uma revista na sala, como mãos nodosas te apertando forte... é um pouco de sentir seu coração disparado de felicidade ao notar que cada passo foi feito certo.

O peixe salta da água e balança com um prateado que só perde para os cabelos do homem que segura suas mãos para te ajudar a não cortar o dedo no anzol.

- Olha Vô! Olha o lindo peixe que eu peguei! Nossa ele é enorme! Vamos comer ele hoje, vamos?

O homem sorri e com a mesma calma apenas coloca outra isca e deixa o peixe no balde.

- Vamos comer sim. Mas temos que pescar mais, porque o primeiro peixe tem que ser comemorado com um banquete.

faleceu essa noite o homem que me ensinou a pescar e carrego comigo lembranças e seu nome.