quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Calor

Banho frio e pele queimando. Febre ao caminhar apenas pequenos passos no dia-a-dia, sol aberto e a pino. Sorrindo quando alguém diz que está muito bonito bronzeado, esqueça a falta de ar nesse abafado estado de derreter e perder os sentidos.


Brasília, as novidades pela televisão são as menos originais, todo dia é o dia mais quente desde sei lá quando dos anos 90, 80, 70 e agora 60. Parece que todos viviam em um período mais quente que esse deserto louco, sem mar, lagoa potável e clubes sem crianças e uma penca de pessoas buscando o mesmo alívio, em trajes ultrajantes.


Vontade de beber, de tomar sorvete, de trepar e cair cada um para o outro canto sem nenhum pudor ou conceito contrário a intimidade. O calor ajuda ao desligar da etiqueta do abraço ou do afago, suando em bicas a menina embaixo de mim implora para que eu termine logo.


“Eu já gozei gatinho, por favor termine.”


Banho frio e demorado, beijo quente e acelerado. Mais uma ida aos lençóis empapados e a certeza de uma repetição hipnótica e embaçada ao calor que insiste em humilhar o ventilador na potência máxima.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Falha de comunicação

Um cliente em Taguatinga para reunião sobre orçamento.


- Onde é o endereço por favor?

- Fica na QNE.

- Ok, as nove horas nos encontramos em sua loja.


Miseravelmente acordo cedo e espero na parada o ônibus que me mandaram pegar.


- Você tem que pegar Taguatinga Centro.

- Okei.


Entrando no ônibus você já começa a ter a certeza que te indicaram o ônibus errado.


- Pára na QNE?

- QNL?

- Não QNÉ.

- QNL?

- Q... N... Ê.

- L?

- As vogais. A, e, i, o, u. E de vogal.

- Passa sim.


Com a cara emburrada da cobradora já sei que me fudi. O ônibus vai seguindo e vou percebendo que conheço o lugar que ela me mandou descer. Minha amiga mora aqui.


- Senhor. Aqui é a QNL não é?

- É sim.

- Merda. Fica muito longe a QNÉ?

- QNL?

...


Pego um ônibus e pergunto se esse cobrador sabem onde fica a bendita QNÉ. Parece que sabe, fica em Taguatinga Centro.


Por acaso essa cidade tem dois centros ou eu realmente poderia ter ficado na primeira parada? Desço de novo e me mandam eu pegar outro ônibus.


Resolvo perguntar a um velho caminhando, algo em mim me faz pensar que idosos são mais pacientes com idiotas, e talvez ele tenha quase nascido aqui.


- Senhor, bom dia. Estou meio perdido. Poderia me dizer a direção da QNÉ?

- Da QNÊ?

...


O bom senhor diz que é muito longe e que devo pegar um ônibus que dá a volta em Taguatinga inteira. Pelo menos é apenas R$ 2,00.


Quando chego na bendita QNE percebo que o ônibus fez um circulo, deveria apenas ter atravessado a comercial a pé mesmo e o cobrador concorda.


- Por que não foi a pé?

- Um senhor disse que era longe.

- Esses velhos...


Agora procurando a bendita loja, logicamente sem sucesso, já tomei tanto sol e dei tanta volta que não sei mais onde é Leste, ou Oeste.


- Preciso ir para a QNE 1.

- Segue nessa direção (apontando para o meio das casas) que você encontra sem erro.


Nesse momento tive um estalo. Vou seguir andando a esmo, para ser mais preciso a direção oposta do cara que me indicou. Resultado? Achei o bendito lugar.


Qual é o problema com as pessoas? Desta vez, esqueci meu gene Y e pedi informação com o X que sobrou e nada? Uma pegadinha com turistas? Que saco! Ganhei um bronzeado e perdi dinheiro. Mas a reunião foi boa.


Cuidado com o uso do É e do Ê em Taguá meus caros.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Refém das camêras

De um lado Lindemberg e do outro os "Alemães" de Sampa. A história todo mundo já cansou de ver em noticiários, jornais, mesa de bar e na copa do trabalho.

Pobre menina, pobre rapaz apaixonado, pobre polícia mal preparada. Quer dizer... Ninguém diz pobre polícia. A polícia é a culpada a eterna culpada.

Se invadisse e matasse o jovem transtornado seria dito nos noticiários: "A polícia agiu corretamente? Deveria ter sido esse o fim? Deveriam ter buscado ajuda psicológica? Como amor vira tragédia?".

Mas mataram a pobre refém. De novo.

E todos dizem. "Mas quem atirou foi o sequestrador. A polícia entrou após o tiro. A escada sendo posicionada logo depois prova isso". Peraí... A escada sendo posicionada? Eu sei disso? Um mero espectador desse circo todo sabe que a polícia estava com uma escada do lado de fora?

Culpem a porcaria da polícia por botar de volta a amiga dentro da casa, pela demora, por não ser a SWAT e o que mais os noticiários quiserem dizer.

Porém um ponto me fez pensar. Não sou nenhum especialista tático, mas nunca joguei Poker deixando minhas cartas a mostra.
Será que podemos, uma só vez, culpar as pessoas certas?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Fundidos

- O conto do soldadinho de chumbo sempre mexeu com minhas ilusões do que seria um relacionamento.

- Naturalmente trágico por assim dizer?

- Além disso. Existe um aceitar das imperfeições dos demais, encarar a fidelidade, enfrentar rivais, buscar retornar para quem se ama.

- Mas você esqueceu que os dois morrem no final?

- Eles não morrem. São brinquedos, objetos. Se fundem ao tornar-se um coração de chumbo.

- ...

- Essa é a mais linda história de amor contada para crianças.

Ela me dá um beijo doce.

- Ou para adultos.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Horizonte

Bebidas por favor. Mais uma dose para sorrir, mais uma dose para tentar chorar, mais uma dose, por favor. Afinal, meu irmão está seguindo seu caminho e levando um pedaço de mim consigo.


Vou lembrar com certeza que dividimos um apê fudido no Cruzeiro, que para enganar a fome comíamos arroz com cenoura feita sem óleo e batatas como a base “forte” da alimentação. E sorria sempre que me lembrava de Cowboy Bebop ao olhar para a geladeira e ver os dois bebendo sem um puto.


Acho que comecei a beber de verdade ao andar com esse alcoólatra. Na verdade não somos mais por ganhar pouco, o dia que começar a ganhar muita grana iremos morrer com certeza.


Terras frias e cinzas estão à espera. E é irônico que ultimamente tenha sentido tanto frio por aqui, mesmo no calor.


Existe um medo, óbvio que existe! Quando alguém que você gosta vai embora, você fica assustado. O mesmo clichê de andar olhando para os lugares que freqüentaram e não deixar de esquecer, infelizmente não serve apenas para nossas meninas.


Amadurecer é uma merda. Queria pela primeira vez o sentir da adolescência de novo. Onde esse cara que é era apenas um magrelo de cara esquisita, ia a minha casa e ficávamos brincando de tomar porres, rindo, vendo animes e jogando RPG.


Pagar contas, crescer, buscar sonhos e ser ambicioso estraga tudo e mata a gente de saudades. Que merda. Odeio conhecer gente inteligente! Odeio chamá-los de irmãos! Odeio dever ser quem sou! Odeio ser a porcaria de um pisciano viadinho que não consegue esconder o quanto está dolorido com essa merda toda!


Aê vem aquele imbecil e te olha nos olhos dizendo que vai dar tudo certo e você sente, como sempre, que ele está certo e desencana. Ri, porque tem motivos para estar triste. Porque olha em volta e nota outros olhares sentindo o mesmo e o vendo em várias outros ângulos que você mesmo não conheceu dele.


Vamos todos beber saindo daqui, pelo amor de Jah! Que o Barahona faça uma boa viagem, ele apenas indicou o caminho marujos. Um dia será nosso momento de seguir viagem.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Beirute Asa Norte

Estava ali sentado umas 21 horas mais ou menos. Pensei em comer um quibe recheado e tomar uma Antártica antes de ir para casa. Era perto e talvez não chovesse hoje, poderia ir andando mesmo, isso daria a coragem de pedir mais uma garrafa, caso descesse bem a primeira.


- Tio. Me paga um quibe.


O garoto carregava um monte de panos debaixo do braço e colocou sobre a mesa enquanto esperava minha resposta para essa intimação juvenil.


- Estou sem trocado.

- Põem no débito junto com o seu.

- Garçom, trás um quibe pro garoto aqui.

- Pede um refri também tio.

- E um refri.


Ficou esperando mexendo nos panos enquanto eu tomava minha cerveja e olhava para os lados. Algumas meninas olhando para a mesa, mas com certeza por conta do menino.


- O tio gosta de homem né?

- Quê?!

- Todo mundo que vem aqui vem procurar homem. Ainda mais a partir dessa hora.

- Não. Vim só comer um quibe e ir para casa.

- Sei...


O quibe chegou e sentou-se à mesa enquanto olhava para o garçom.


- Quero um copo com limão.

- Não quer aproveitar e pedir gelo não?

- Gelo deixa com gosto ruim.


O garçom saiu com uma cara de bunda e eu tentava esconder o riso.


- Moleque tú é folgado para caralho.

- Vai comprar um pano tio?

- Não preciso de pano, tenho uma penca em casa.

- Então compra mais um, se tem um monte pode ter mais um.

- E por que eu teria mais um cacete?

- Um a mais no armário não faz diferença pra você tio. Mas para mim é menos cinco mesas por noite que eu passo.

- E em todas você pede quibe, senta e xinga os outros de viado?

- Não te xinguei. Perguntei se o tio gostava de homem. Se o tio acha que isso é palavrão está no bar errado.

- Me dá essa merda de pano aqui caralho.

- É cinco reais.

- Só o quibe e o refri que eu paguei já deram isso.

- Pagou não, foi no cartão.

- Mas isso é dinheiro.

- O tio disse que não tinha dinheiro. Se me der os cinco que tem na carteira, não faz falta. Não tinha mesmo lembra?


Dei os cinco reais, ele terminou de comer e saiu.

Fui para casa sorrindo ao me lembra do moleque. Assimilação, infância e malandragem.