sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Peregrinação

Santiago nunca teve grandes ambições, apenas viver lhe bastava. Ser o mais monótono ser humano de toda existência e passar despercebido pelo planeta. De certa forma ele já tinha sido moldado para isso, Santiago nascera em Brasília.

O que simboliza a rotina para um homem que é um verdadeiro ciclo vicioso? Ele não conseguiria ser mais superficial mesmo que tentasse, convenhamos, ele nunca tentou nada de verdade. Seus dilemas, suas fraquezas, suas crises, seu olhar para a janela perguntando-se: “Por que não me atiro de vez?” Mas sabemos o motivo, Santiago era apático demais até para uma decisão sobre o fim de sua apatia.

Em algumas raras ocasiões esta sensação sublimava e parecia que ele fazia parte de algo mesmo em uma multidão. Sabe quando olhamos para um grupo de pessoas andando no centro de alguma grande cidade, como São Paulo, Nova York ou Tóquio? Sentimos que no meio daqueles olhares apressados, em direções mescladas, existe alguma unidade, uma espécie de finalidade urbana orgânica. Quase como um modo da cidade dizer que naquele instante os olhares vazios estão em uníssono gritando: “Somos um! Temos uma função!” Talvez ali, naquele momento, Santiago poderia fazer parte de algo, mas estamos falando de Brasília e em Brasília multidões duram apenas o tempo de atravessar uma faixa de pedestre na rodoviária.

Não. Ele não poderia buscar nenhuma finalidade para si, nenhuma forma de superação para sua pequenez e solidão. Bastava estar sozinho para olhar diretamente aqueles que dizem não estar para ter a certeza que, de fato, todos estamos. Casais sem assuntos sentados na mesa, pais lembrando-se por um segundo do porquê tiveram filhos, jovens gritando por mudanças que não acreditam e bêbados buscando companhia para virar copos enquanto sofrem sozinhos. Todos vivendo um ciclo de companheirismo cênico dia após dia.

Atravessar a cidade no final da noite era um dos poucos momentos de euforia de seus dias. Saía de casa perto das 10 da noite no final da W3 Norte em sentido a rodoviária para depois voltar. Sempre ficava próximo da janela, colando sua testa protuberante e gordurosa no vidro gelado. Gostava de olhar as prostitutas fumando nas paradas, algumas vezes descia e esperava por perto o próximo ônibus que completaria seu destino. Nunca pensou em sair com uma delas. A simples ideia de convidar uma prostituta para dentro de um ônibus não fazia sentido e ele nunca aprendeu a dirigir. Convidar uma delas para ir andando também não parecia correto, mesmo que uma das paradas estivesse a menos de 100 metros de sua kitnet. Não, ele preferia assistí-las, seja passando por elas ou aguardando o ônibus na parada. Carregava consigo um maço cheio de cigarros que nunca fumava, mas sempre oferecia.

Em sua casa ele não possuía nada além do mais funcional possível. Sem televisão, sem rádio, sem livros, sem animais, sem plantas, sem fogão. Apenas uma mesa de centro vazia, um armário com suas roupas, sua cama, um frigobar e um quadro que até hoje não sabe o porquê comprou na Feira da Torre. Tinha algo naquele quadro que chamou sua atenção à primeira vista. Algo sobre as cores talvez, ou a ausência delas. Não saberia dizer, nunca entendeu nada sobre arte e jamais pesquisou a respeito. A compra desta peça era uma incógnita e talvez por isso todas as noites ficasse olhando para ela por alguns instantes antes de dormir.

O que simboliza a rotina para um homem que é um verdadeiro ciclo vicioso? Para Santiago a rotina era uma benção, um salvo conduto. Não ter que planejar os seus dias era o que mais o agradava. Acordar ao toque do despertador, escovar seus dentes, tomar o seu banho, descer até a padaria para tomar seu café da manhã, ir ao trabalho, sair para o almoço, voltar ao trabalho, ir para casa, tomar outro banho, pegar um ônibus até a rodoviária para depois voltar para casa olhando as prostitutas antes de perder o seu olhar no quadro e ir dormir. Santiago nunca teve grandes ambições, apenas viver lhe bastava. Ser o mais monótono ser humano de toda existência e passar despercebido pelo planeta. De certa forma ele já tinha sido moldado para isso, Santiago nascera em Brasília.