quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Augúrio

Ela levanta cedo e não se preocupa com a noite mal dormida, a maioria delas são assim mesmo. Que se dane então! Essa mulher acorda com o rosto amassado e com mau hálito, toma um banho quente, escova o dentes debaixo do chuveiro e cospe a espuma no ralo.

Penteia o cabelo enquanto deixa a água ferver para o café. As pernas não estão devidamente depiladas, mas ela não se importa, põem uma meia calça escura e veste uma saia apertada para ir a luta.

No caminho compra um cigarro, dá uma forte tragada e aproveita a péssima cantada recebida do vigia para cuspir a fumaça com o merecido desdém. Aperta o passo e entra sem cumprimentar ninguém.

Em sua mesa ela é a rainha. A que todos cercam com bom-dias, café, isqueiro, cinzeiro, agenda e os clientes que a estão aguardando para as reuniões.

Hoje será um excelente dia! Ela pode não ter como esmagar o idiota que a traiu, mas certamente pode descontar em cada pessoa que encontrar.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Ressaca

Este desamparo matutino me mantém atônito. Uma necessidade de acordar quando todo o meu corpo ainda está dormindo me mata. Que crime um homem pode ter cometido em já acordar cansado? Dias assim deveriam deixar de existir, podíamos não acordar e deixar de lado esta sensação descrente de nós mesmos.

Mas o simples fato de ser um final de semana nos obriga a sair da cama. Este é meu dia e deveria ser o que quiser que seja, e nada deveria me obrigar a fazer nada. Nada! A não ser minha apatia.

Este emaranhado de lençóis amarrotados e a cama que começa a cheirar mal, me convence a levantar, sentindo cada perna ardendo em desacordo. Mas a vontade delas é fraca demais e minha teimosia maior. Tropeço em um tênis sujo ao lado da cama, deveria comprar outro. Deveria tantas coisas, deveria, mas não faço.

A luz incomoda tanto. Olhando da janela uma mulher obesa que me critica pela minha nudez. Ora! Estou mostrando nada mais do que um corpo magro e esquecido pelo toque a duas semanas, a visão do seu é ainda pior. Não me amole.

Devo escovar meus dentes? Logo hoje que não gostaria de ninguém conversando comigo? Poderia usar isso como meu escudo, um hálito podre poderia afastar aqueles que me cercam. Mas e quanto ao telefone? Maldito telefone! Este que toca neste momento sem cessar e que me obriga a sentir meu próprio hálito ao falar tão rente a este objeto. E para quê? Somente engano. Deveria ter escovado meus dentes.

A fumaça que forma este aroma começa a encantar meu dia. O som da água ainda fervendo e a cor negra e em tons marrons de sua espuma me mostra que valeu a pena acordar. O sabor que desce por minha garganta é o mais próximo de um beijo que estou recebendo nestes dias solitários.

Minha pressão está alta, foi o médico que disse. Pare de tomar café, pare de beber, pare de virar noites... Isso tudo para quê? Para não morrer? Para o inferno com sua demagogia e falso interesse em minha pessoa.

Morrer é como dormir. E estou cansado de acordar.

Para algumas pessoas esse texto é antigo, mas hoje estou me sentindo assim

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Fim de dia

Meus cães latem aos vizinhos, chove e a roupa teima não secar, a sensação da foda é uma nuvem que vem e passa.

Preparo um chá e vejo algumas cenas de filme, pensando em qualquer coisa que me tire atenção da televisão. É melhor tomar um banho.

Leio um pouco “Algo para homens trabalhadores” de Nietzsche. Jurei a mim mesmo que não iria gostar de nada que ele escreve, mas aceito mais uma de minhas falsas promessas ruírem.

Acendo o fogo e preparo outro chá. Queimo meu bigode no fogão ao tentar acender um baseado pequeno demais.

Escuto uma francesa cantando em um CD. Visitas me ligam dizendo que estão para chegar. Tento arrumar a casa ao som de “Bravo pour le Clown” parece que ajuda um pouco.

Penso em como este dia está passando rápido, correndo e descendo como sabão pelo ralo, como minha opção de estar sozinho.

Ofereço os dois últimos sachês de chá as minhas “visitas”. Que ótimo! Eles aceitam.

Um final de dia chato e amanhã terei que comprar mais chá com roupas úmidas.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Intercâmbio

Quantos cenários estarão a tua espera minha amada? Quantas belezas e aromas? Provará cada novidade com a voracidade que apenas os turistas podem sentir?

Será que no momento que sorrir ainda vai se lembrar que prometeu sofrer por nós? O abraço desesperado e o rosto corado de lágrimas vão se lembrar?

Ao notar no sorriso, no olhar, no flerte familiar neste lugar aonde a própria água que bebe é mais saborosa, vai se lembrar?

Entre os parques, os bares, os beijos e corpos expressando o que o idioma não entende... será que vai se lembrar de mim?

sábado, 26 de janeiro de 2008

Preto e Branco

Preto e branco espalhado pelo chão
Caleidoscópio de duas "cores" mesclado pela rua
Um grupo de ondas que não batem contra a costa
Mas bate forte contra as mémorias

Essa nostalgia gostosa conflitada com o desejo
Dita nos versos dos que lá moraram
Solto nos pés dos que jamais visitaram
Nesses cabarés de falsos malandros

Estar tão longe de ti meu Rio
Me faz pensar em adotar cidades
Adotar costumes como adornos
Menos um que seria jamais sorrir

Traga aqueles que por aí caminham
As alegorias em suas memórias
Nascidos ou não pouco me importa
Já que o sorriso do turista é seu eterno consorte

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Momentos (Último Ato)

A água da banheira está quente e gostosa. Tão confortável quanto o toque dele na noite passada. Sinto minha pele arrepiar de frio, mesmo no calor preso a cerâmica em minha volta.

Me ponho a sorrir e deixo que minhas mãos cubram o caminho marcado por ele a noite passada.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Momentos (Ato 2)

Um copo encontra-se em cima da mesa.

Uma medida de vinho e o bordô do batom borram sua transparência. O cheiro de azeite ainda é forte perto de onde pousou esses lábios, e quem sabe, talvez possamos sentir o distante cheiro de manjericão fresco.

Dedos finos tocaram este copo. Os mesmos dedos que marcaram com pequenas ondas, cada marca pessoal, de mãos de suor frio, que o tocou.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Momentos (Ato 1)

Uma árvore enorme cresce acima de todas suas irmãs. O vento move a árvore, move suas folhas. O vento a beija e faz sua sombra dançar sobre o casal que trocam carícias embaixo dela.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Fobia


Tem uma barata neste quarto.

Ela está correndo em volta de si, brincando comigo. Mexendo suas antenas apontadas para mim. Farejando minha adrenalina e movendo suas patas em uma sincronia louca e frenética. O abrir de suas asas faz meu coração disparar na apreensão de seu decolar. Mas ela não voa. Sádica!

Estou assustado e suando desesperado. Encolhido em meu canto, como o inseto que diminuiu meu universo. Isso é o absurdo do medo irracional, um homem contorcido a visão de uma criatura que se torna muito maior que ele.

Aproxima-se de mim, deixando eminente o contato com meus pés descalços. Sem perceber, penso em como alguém poderia escrever a respeito de um homem se tornar barata. A barata torna-se homem dentro do receio trêmulo. Um toque de antenas e não sou menos inseto do que o que me toca.

Os insetos são seres terríveis. Eles não fazem som e são rígidos demais para seu tamanho. Leve demais para descrever peso. Mas ásperos demais para não sentir o roçar de suas patas em minha carne. Uma perda de consciência se aproxima e não consigo deixa de pensar, que ao acordar, aquilo ainda pode estar em cima de mim.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Tormenta

Quero a ânsia de se encontrar vivo. A sede da saliva da outra em meus sonhos. Os músculos trêmulos como os dos adolescentes ao aproximar-se da menina que deseja.

Uma navalha para que possa cortar minha pele e verter o rubro que me dê certeza, na dor, que estou vivo.

Quero os sonhos secretos oras... O machismo mascarado nos olhos dos “homens corretos”. O grito do mundo, o olhar do descarado, o passar de mão em estranhas e as encoxadas nos coletivos.

Ahhh... O desejo do falso amigo que somente quer dormir com todas as mulheres do mundo. Aquele que secretamente ouve seus problemas, esperando brechas para dormir com elas.

Mandar para o inferno os que desejam bom dia no elevador e que sempre falam as mesmas merdas sobre o clima. Pular a catraca do prédio ao invés do eterno bip do cartão e entrar chutando a porta do trabalho.

Quero assaltar o caixa do meu escritório, mandar para o inferno o broxa do meu chefe, apagar os arquivos dos clientes, rasgar os cheques, cuspir na cara da copeira... da copeira não! Gosto da Jusara, ela parece mais disposta a destruir tudo do que eu.