segunda-feira, 31 de março de 2008

Lata

Ele vem descalço, com uma bermuda puída e o peito magro ao sol. Chutando a lata e driblando quem passe por ele. Ginga de um lado, gira em torno de si, xinga o motorista do ônibus e puxa a blusa, que não veste, para avisar que o seguram.

As pessoas sorriem, balançam a cabeça e outras olham com pena.

Mais o menino nem liga, ele enxerga além do sol, que trás gotas de suor a sua testa. Ela chuta a lata e a poeira em grandes ovações e “Olas”. Passa a lata por debaixo das pernas da madame com as bolsas de suas compras caras e manda um sonoro “Vixeee, por entre as canetas.”. A mulher xinga, esbraveja, mas o menino está longe. Quem é bom, não perde tempo ouvindo reclamações de meio-campo.

O sinal fecha e o menino entra pela faixa batendo sua lata. Ele mira, olha para o carro e chuta com força. Bate bem no meio, sem defesa para o goleiro. E assim o menino grita gol. Pulando na frente dos carros mesmo com o sinal aberto.

As buzinas soam, o homem sai do carro xingando. Mas o menino nem ouve, as buzinas são os gritos da torcida e o xingar é comum para o lado que leva um belo gol.

sábado, 29 de março de 2008

Caleidoscópio

Entendi o que me disse essa noite. Durante as três horas em que resistíamos ao sono, a necessidade de querermos estar juntos e simplesmente a fuga de discutir o que prometemos não deixar estragar o que mais prezamos em nossa companhia.

- Estou apaixonada por você.

- Eu sei.

Um sorriso se tornou uma máscara fria em pouco segundos não foi? Queria te dar qualquer outra resposta mas isso seria mentir e eu só minto para quem amo.

Recusou que eu tocasse seu rosto para limpar suas lágrimas, me expulsou de um simples abraço e quis se vestir sozinha.

- Você vai se arrepender. Está impedindo-se de viver algo importante comigo por quem não te merece.

- Não é sobre mérito.

Caminha pelo quarto, olha com paciência a casa que visitou umas três vezes e ainda não está marcada com seu cheiro. Ela tenta sair, mas o pequeno corpo se curva e cai sobre o sofá cobrindo seu rosto com as mãos.

Imagino que ela queria ter tido mais alguns minutos de força. Talvez para chorar em seu carro, fora de minha casa, longe de meu olhar e do abraço inevitável em torno de si.

- Te quero como nunca desejei ninguém! Nunca fui tratada assim. Você tem que estar apaixonado por mim. Eu sei que está!

- Eu sou assim. Não consigo ser diferente com ninguém.

- Até com ela?

Beijo seu rosto, seu pescoço deixo que minha mão tire sua roupa enquanto me chama de cretino. Fazemos amor enquanto ela chora abraçada comigo, sinto o arranhar e desespero contra minha pele em seu orgasmo e suas lágrimas carregam seu cheiro em meu rosto enquanto ela me beija com sede.

- Dentro de mim. Por favor.

Nós terminamos, ela me abraça e se veste. Recolhe suas coisas, faz uma piada sobre uma espinha no meu nariz, usa meu perfume e come o último tomate seco que trouxe.

- Não me acompanhe até o carro. Não me acompanhe se não for para me pedir para dormir hoje e sempre aqui.

- Você é linda.

- E você um idiota.

Ela sai de madrugada e agora, pela primeira vez, sinto o seu cheiro em minha casa ao ponto de não me deixar dormir.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Sonho II

Essa casa é familiar não é? É a mesma que você conheceu como seu ficante, seu namorado e hoje encara como amigo. Uma entrada pela cozinha, a sala que você dormiu acompanhado por ela ao som de músicas ou filmes e um quarto que te dói ver mais do que queira admitir.

Mas de certa forma essa casa não é a mesma que esteve antes. Agora é a casa dela. Não existem mais um quarto para os pais e a decoração é outra. Sinto o mesmo cheiro dos móveis que a memória não permite esquecer, mas existe algo mais.

- Me acompanha até o quarto. Quero te apresentar alguém.

Suas mãos me guiam, levando um corpo trêmulo de medo ao conhecer seu novo amor. Paramos em frente a porta uns instantes e ela sorri ao abrir.

O quarto está diferente, cheio de tons de amarelo, lilás e pequenos brinquedos espalhados pelo chão. Um bebê está deitado nessa cama, ele encara o teto com um sorriso doce e tenta buscar algumas estrelas acima dele.

Olho para essa criança com um afeto e inveja. Não consigo me mexer, fico simplesmente estático, prisioneiro de um sorriso e pele que parece fazer parte da manta que o cobre.

Ela busca a criança no colo, duas peles brancas, dois lábios rosa e a diferença dos olhos verdes dela com o castanho dessa pequena que sorri ao se aproximar de mim.

- Você sempre quis uma menina não é? Segure sua filha no colo.

Pego essa criança e não consigo parar de chorar. Quero muito estar firme, quero não ter que sentar no chão, quero olhar para seus olhos com segurança, mostrando que mudei, mas não consigo. Só estou abraçado com essa pequena menina e a embalando como o resgate a mim mesmo.

Então alguém surge, um grupo de pessoas com som alto, bebidas, roupas sujas... Falam e bebem muito e toda a casa é uma enorme festa. Em algum momento estou sem a menina em meus braços, estou perdido em uma casa pequena e não entendo como.

Pessoas esbarram uma nas outras e chamo por ela, chamo pelas duas e ninguém parece se importar, estão todos bêbados.

Abro uma porta, que parece ser uma dispensa e encontro minha filha em cima de uma estante de sapatos. Vejo sua mãe com o nariz enfiado em um prato, ela levanta a cara cheia de cocaína, que suja seus cabelos ruivos e mantêm seus olhos verdes, estourados e vermelhos.

- O que foi? Que porra você está fazendo aqui?

- O que você está fazendo? Você nunca precisou disso! Sempre odiou essas merdas.

- Me larga seu idiota! Te odeio. Você é a pior pessoa com quem já pensei em me envolver. Seu imbecil!

Busco a menina com cuidado entre os sapatos, só quero sair de lá com ela o quanto antes. Mas sua mãe está louca. Puxa a menina dos meus braços e ouço seu pequeno braço estalando enquanto a menina chora assustada e com dor.

- Pára com isso por favor. É sua filha... Pára com isso.

- Por quê acha que te chamei aqui? Para que soubesse que nada que vem de você serve para algo.

Ela arremessa a criança com força contra a parede e uma menina morta, com uma mancha avermelhada em seu rosto, me encara com seus olhos doces pela última vez.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Ligação de madrugada

3:27 A.M

- Alon?

- Oi?! Alô! Te acordei?

- Aham...

- Foi mal cara. Ô preciso conversar com você sobre um esquema. Pode falar comigo agora?

- Quê?

- Olha meus créditos estão acabando me liga no celular. Falou.

...

- Zé?

- O que foi Marcello?

- Pô, tu demorou para caralho para ligar.

- O que aconteceu velho?

- Você estava na festa de sábado não tava?

- Tava cara.

- Então... O que rolou na festa?

- Como assim?

- Tive uma porcaria de uma amnésia alcoólica e não me lembro de nada.

- ...

- Alô?! Caiu a ligação? Alô!

- Tú me ligou para saber o que rolou na festa, porque você esqueceu?

- Porra tava precisando saber o que eu fiz cara. Dei vexame?

- Deu.

- Mas vexame de que tipo? Tipo padrão ou um cabuloso mesmo?

- Sei lá cara... Você deu o vexame de sempre.

- É que eu estou meio lascado e dolorido ainda.

- Acho que você levou um tombo tentando jogar dardos.

- Putz... Mas e aê? Ficou só nisso?

- Você xaropou com sua ex mina, xaropou com seus brother, xaropou com um gordinho folgado, que quis entrar numas comigo (valeu) e imitou o Mick Jagger no final das contas.

- Caralho... Queria me lembrar de alguma coisa. Tu não bebeu na festa não?

- Só cerva.

- É... aquela festa tava ruim de bira.

- Só tava.

- Valeu aê irmãozinho. Ah... Te dar o toque! Desliga o celular para ninguém te acordar de madrugada.

- Meu celular não desperta se eu desligar ele.

- Porra compra um novo.

- Falou velho... Até mais.

- Ow... Nego me contou que você está escrevendo em um blog.

- Tô Marcello, mas me deixa dormir. Tenho que trampar daqui a três horas!

- Escreve sobre esse papo aê! Vai ficar maneiro.

- Tá...

- Promete?

quarta-feira, 26 de março de 2008

Indigentes

Não suporto pedintes. Odeio essa escória miserável e asquerosa que somos obrigados a ver e cheirar ao caminho do trabalho, ao caminho de casa, por qualquer que seja o lugar que tenhamos que passar.

Vou ao shopping preocupado nas roupas de minhas reuniões, presentes de minha amante, lazer de meus filhos e lá está, parado na saída da garagem, me obrigando a assistir seu semblante patético contra o vidro de meu carro.

Já demiti um office-boy por me obrigar a descer em pleno horário comercial. Não por atrapalhar meus afazeres. Mas pelo fato de me obrigar a esquivar dessa massa de miseráveis, que superlotam as saídas dos prédios comerciais em busca de centavos em homens vestidos de ternos.

Eu pago meus impostos. Já estou dando mais do que centavos para que o governo faça seu trabalho e tire esse incômodo de minha vista. Sei que me iludo ao pensar que os ignorantes e analfabetos, que se cercam de sujeira e falta de ambição, poderiam entender algo sobre impostos, trabalho e luta pela vida. Eles são parasitas.

Sento em um bar, após um dia duro e peço uma cerveja. Odeio esses bares perto do serviço, mas precisava beber hoje.

Consigo sentir o cheiro de um desses dejetos antes mesmo de se aproximar de mim.

- O senhor poderia me dar um dinheiro para comprar uma cachaça?

- Pela primeira vez eu ouço algo honesto de vocês. Garçom dê uma cachaça para esse homem.

- Obrigado... Mas o senhor poderia só me dar um trocado?

- Sabia! Certamente quer guardar para comprar cola ou qualquer outra droga barata.

- Estou com fome senhor e gostaria apenas de dinheiro para comprar alguma coisa para comer.

- E por quê diabos não pediu dinheiro, porra!

- Por que ninguém acredita em um mendigo pedindo dinheiro para comida.

Solto uma nota de dez reais na mesa, que ele pega agradecido e atravessa a rua.

Continuo bebendo puto e começo a me sentir bêbado e triste antes mesmo da quarta garrafa. Ligo para o trabalho falando que não irei mais a reunião da tarde, que não voltarei mais hoje e quando peço mais uma garrafa vejo o bêbado voltando em minha direção.

- Vai para o inferno seu idiota! Já te dei dinheiro hoje.

O homem deixa na minha mesa cinco reais e cinqüenta centavos. Sorri agradecido, olha para a aliança posta ao lado na mesa e diz pousando sua mão suja sobre a minha:

- Não deixou o trabalho de lado para pensar nela hoje? Faça isso mais dias, mostre que ela é mais importante e ela vai voltar.

O mendigo sai e me deixa chorando com uma aliança na mão.

terça-feira, 25 de março de 2008

Amores pagos

Danyella 2233-8427

21ª A exclusiva mulher morena clara BBg de Bsb. Onde no jornal não tem igual. Sexo sem pressa com 2 relax. Moro só Asa Norte.

- Alô? Eu poderia falar com a Dany?

- É ela meu bem.

- Oi...Boa tarde. Estou... Estou ligando por conta do anúncio.

- Poderia falar um pouco mais alto?

- O anúncio. Eu liguei por conta do anúncio.

- Aham.

- Você atende em casa não é?

- Sozinha meu querido.

- É aonde na asa norte?

- Na 114 comercial, bloco D.

- Qual o apartamento?

- Quando você chegar por aqui me liga que eu falo.

- E quanto que é?

- Completinho 80 reais, oral 40 e manual 20.

- Mas é por hora?

- Até você terminar gatinho.

- O anúncio diz dois relax.

- Você pode escolher como termina. Mas os dois completinhos fica 120 reais. Mas se quiser intercalar é o valor do mais alto.

- Atende depois das 18 horas?

- Até as 22.

...

- Alô, poderia falar com a Dany?

- É ela amor.

- Dany, eu liguei mais cedo, to aqui debaixo do bloco...

- Apartamento 234.

...

Chego mais trêmulo do que minha primeira vez, de certa forma é minha primeira vez, e percebo que Dany realmente não pode ser igual a nenhuma da internet, ela deve certamente ser a mais feia de todas. Rosto marcado, unhas mal pintadas, uma bunda enorme e cheia de caroços, peitos pequenos, flácidos e tem uma barriga enorme.

Me convida com um sorriso falso e me aponta para um quarto escuro e com cheiro de mofo. Estende um colchão velho, furado e o cobre com lençol que certamente não está limpo.

É tudo muito automático, tire a roupa, tiro a minha, punheta, camisinha, boquete e então sobe por cima. Um cavalgar sem ritmo, sem vontade, sem nada. Apenas uma necessidade automática que poderia explicar o porquê de estar excitado com essa forma grotesca de uma mulher gorda e feia sobre meu pau.

Esse falso olhar, as falsas perguntas, a falsa vida... O que é ser o recipiente de fantasias, descaso e necessidade dos homens? Algum teve a coragem de beijar seu rosto, tocar seu cabelo e deixar suas mãos correrem por suas costas largas? Algum homem deitou sobre o seu corpo, segurou com a firmeza carinhosa seus quadris e tirou seu cabelo de seu rosto suado?

- Você é do tipo que demora a gozar não é?

- Não sei bem... Acho que sim.

- Vem me comer de quatro vem.

Essa bunda enorme, cheia de marcas e espinhas não consegue me empolgar mais do que o movimento mecânico de antes. A cada investida dela, seu cú abre e exala um odor de merda insuportável.

É mais do que posso tolerar e acabo vomitando em suas costas.

- Filho de uma puta! Viado!

- Desculpa... Eu realmente não estou me sentindo bem.

- Saia já daqui, saia já daqui!

- Olha... Eu vou pagar por...

- Dá a merda da grana e saia daqui seu bosta!

Pago mais do que os 80 reais que ela pediu, dou para ela o dobro e então ela sorri para mim, o mesmo sorriso da entrada da porta.

- Desculpa querido. Não fiquei brava com você, só deveria ter bebido menos antes de vir.

De joelhos e suja de vômito ela recomeça seu trabalho, e então fecho os olhos, esqueço o cheiro, esqueço o lugar que estou e penso em como o boquete dela era perfeito.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Poliana

- Você está nervoso por conta do livro não é?

- ...

- Valério, isso acontece querido.

- Porra, Poliana... Você poderia só calar, a merda, da sua boca?

- ...

- Você vive aqui! Não consigo ter tempo para fazer minhas coisas, terminar meu livro. Estou sem espaço para pensar, criar e respirar.

- Nossa como você é babaca.

- E como você é complacente não é? Você sabe que estou no prazo final e fica me rodeando me sugando.

- Velho... Você que me pediu para vir a sua casa.

- Será que você poderia pelo menos tentar falar como uma adulta? Velho... Estou de saco cheio de suas gírias.

- Estou indo embora.

- Bravo! Finalmente um pouco de paz.

- Me liga quando essa sua síndrome pós-broxada passar tá? E torça para eu ainda estar te amando.

- O que você sabe de amor menina? Não fale nada, sobre o que conhece apenas de livros criança.

- Não sou uma criança...Tenho 23 anos Valério.

- Nossa... Realmente uma mulher. Sabe tudo de amor.

- E você acha que estou aqui por quê? Pelo maravilhoso sexo de hoje?

- ...

- Não tenho gozado com você há um mês! E nesses últimos quatro dias nem você tem conseguido cara.

- Sai da minha casa!

- Espero seus dramas te ajudem a escrever e perceber o quanto está magoando quem mais aposta em ti.

- Sai daqui!

- Vai tomar no cú, seu escroto!

quinta-feira, 20 de março de 2008

Nacional x Nação

Consegue sentir ao entrar em campo meus amigos? Percebe mesmo distante de seu país, carregando com orgulho o nome Nacional em seu selo, consegue perceber? Pode ouvir nas arquibancadas? Sentir o vibrar deste que é um estádio apenas para visitantes? Consegue ouvir todo um povo que chama a si de Nação?

Aqui é o Maracá porra! Nervosos, apertados, apostando em santos em cordões, mesmo atrapalhados pelo Souza... Ainda assim é o Maracanã.

Queda-te bien uruguaios. No passa nada!

quarta-feira, 19 de março de 2008

Coisas deixadas para trás

Livros na estante, vários Cds largados pelo tapete, uma garrafa de vinho vazio e uma pela metade. Estou tentando terminar esse livro há horas e o último capítulo teima em não sair do título “53” na tela do computador.

Já desliguei meu celular e tirei a bateria do sem-fio. Meu editor está me ligando a cada 10 minutos e imagino que, dentro de uma hora, vai derrubar a porta antes de pensar em tocar a campainha.

Poderia me matar e deixar uma obra incompleta para que as pessoas comentem por anos. Um suicídio dramático com minha assinatura em sangue desenhada pela parede.

Quem eu quero enganar? Esse é meu primeiro livro, ninguém leria por causa de minha morte. E na verdade meu ego não iria permitir morrer sem saber se alguém gostou ou não.

Vou até a geladeira. Dera comida e abrir e fechar portas trouxesse alguma idéia válida para terminar essa merda.

Ótimo! Já não terminei de escrever e já estou achando uma merda. Isso nunca daria certo, por que eu pensei em escrever afinal de contas? Por que meus amigos me encorajaram essa necessidade arrogante em mim? Por que Poliana disse que gostaria de saber como é dormir com um escritor?

É a mesma coisa! Nós broxamos às vezes, na verdade muitas vezes... Porra, tenho broxado para caralho! Será que é por isso que ela não tem atendido minhas ligações? Não... você pediu para ela não atender, você disse para ela sumir da sua vida porque precisava estar triste para terminar essa merda de livro!

O mesmo que não consigo terminar por estar pensando na discussão idiota do mês passado. Caralho... Gostava dos sanduíches que ela preparava enquanto eu digitava, de suas mãos em meu cabelo quando buscava alguma referência imbecil. Caralho! Estou apaixonado por Poliana, mais do que meu livro.

Dedilho em 20 minutos um final, que fecha rápido como essa agonia que estava me consumindo a semanas. Lógico que estou apaixonado por essa menina. O livro foi feito para que ela leia, para que possa ver seu sorriso deitada ao meu lado na cama e que me diga sorrindo que ama transar com escritores.

terça-feira, 18 de março de 2008

Mesa de bar

- De onde você tira idéias para escrever sobre mulheres? De representá-las tão bem em seus contos?

- Agora eu deveria simplesmente pegar a frase de “Melhor Impossível”?

- Nãoooo... Sei que pode dizer algo melhor que isso.

- Acho que pelo fato de não achar homens e mulheres muito diferentes.

- Não somos?

- Para mim todo esse papo de diferenças, planetas e guerra de gêneros só serve para vender livros ruins de auto-ajuda. Desculpe o pleonasmo.

- Nós não queremos as mesmas coisas. Vocês são simplistas demais, principalmente para relacionamentos.

- Você não veio aqui para transar comigo?

- Lógico que não!

- Veio para me conhecer?

- Sim e já estou te achando um idiota.

- Mas mesmo assim ainda está na mesa. Juro que se você fosse feia, eu teria ido ao banheiro e fugia.

- Imbecil!

- Essa é a vantagem de não carregar bolsas.

- Você é um idiota sem tamanho.

- Mas mesmo assim você está rindo.

...

- Todo canalha é charmoso.

- Só para as que precisam que seja... Sim, você veio aqui para transar comigo.

- De onde...

- Não estou dizendo que será hoje, não estou dizendo que você escolheu a melhor calcinha, passou perfume entre suas coxas e tomou sua pílula sorrindo hoje. Mas que você está pensando em transar comigo está.

- Se você disser que está seguindo sinais idiotas do tipo “O corpo fala” eu que vou rir do que você lê.

- Não tem nada haver com livros. Tem haver com encontros, com seqüências deles por anos. No final das contas todos são iguais. Assim como eu e você.

- Eu poderia ir para casa tranqüila por não transar com você hoje.

- Então está pensando nessa possibilidade?

- ...

- Está?

- Vamos sair logo daqui seu idiota.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Despedidas

O corpo foi encontrado dentro do box. A água quente caía em fortes jatos sobre o filho morto.

Um corpo podre e inchado, após dois dias debaixo da água, estava branco e macilento. Um vulto negro, na verdade um saco preto de lixo como embrulho, tremia ao som do cair da água sobre si.

Dentro do saco havia uma carta plastificada, deixando claro que serviu apenas para fazer barulho e não para guardar a informação contida nela.

“Apenas para te dar trabalho.

P.s: Sim, foi sua culpa. Tua vaca!”

sábado, 15 de março de 2008

Orfãos

Na minha escola teve um menino que ficou chorando quando a sua tia veio buscá-lo ao invés de sua mãe. Ele ficou fazendo cena perguntando sobre por quê sua mãe não tinha vindo, se ela tinha se esquecido que havia combinado de levar ele ao parque depois da aula, gritava tanto que chamava a atenção de todo mundo que estava na saída. Sua tia tentava acalmá-lo, enquanto chorava tanto quanto ele.

Mas o moleque era um mimado dos mais chatos, chorava, gritava e batia as pernas como um louco, enquanto a tia implorava que ele parasse com aquilo.

“Tenho algo muito sério para te dizer Matheus... por favor, fique quietinho.”

Todos os alunos, pais, bedéus, professores e orientadores ficaram vendo aquela cena patética e balançando a cabeça. Até que sua tia exausta gritou:

“Seus pais sofreram um acidente de carro! Eles morreram Matheus.”

O portão da escola foi tomado pelo silêncio, senti minha mãe me segurando com força contra si, olhei para seus olhos e ela chorava enquanto me beijava. Sem entender direito comecei a chorar também.

Esse medo da perda, de ver uma criança desconsolada ao lado de sua tia, me fez querer estar mais perto de minha mãe. Sentia ela me segurando com tanta força que me machucava e não me importava.

Reparei entre todos os presentes, que os pais abraçavam seus filhos, do mesmo modo que minha mãe estava me abraçando. Naquele momento entendi, em partes, o que é ser parte da carne que representa nossos pais.

Uma criança largada e derrotada demais para continuar uma cena é algo terrível de se ver. Mas me assustou menos do que o modo que minha mãe suspirou antes de dizer que me amava. Como se a única parte da vida dela que importa, estivesse dentro de mim.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Fora de si

Um gosto de cigarrilha na boca e uma cabeça inchada pelo excesso de álcool. A sensação de acordar tentando se lembrar onde está, dentro da própria casa, é o sinal que não se deve beber tanto durante a semana.

Estou necessitando cada vez menos beber e sempre que bebo fico pensando seriamente que poderia estar gastando dinheiro com qualquer outra coisa. Talvez navalhas, selos e até aqueles brinquedos antigos articulados.

Quero muito sair e comer alguma coisa, dançar com uma mulher e sentir minhas mãos deslizando pelo suor de suas costas.

Quero simplesmente faltar um dia de trabalho para poder dormir o dia inteiro e quem sabe, com sorte, ser demitido.

Quero bater em alguém até meus dedos quebrarem e ver um rosto se tornar uma coisa disforme.

Quero a coragem de comprar uma arma e apontar para minha cabeça em frente a um espelho, só para ver se consigo ver meu cérebro explodir antes de morrer.

Vomito um pouco de pizza de ontem na privada, junto com a cerveja e fumaça ingerida da noite passada. Sempre me sinto assim depois de um fora.

quinta-feira, 13 de março de 2008

...

O deformar dos lençóis, por teu corpo, dizem mais do que as entrelinhas de minha insônia.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Herói

Escolhi o momento perfeito, hoje está chovendo, é uma noite fria e a lua cheia parece servir mais do que as lâmpadas que mostram a chuva presa como um chuveiro abaixo dela.

Meu treinamento se deu por aulas de Yoga, Tai Chi gratuito na Asa Norte e alguns meses de aula de Ninjutsu me ensinaram como usar armas e me defender com minhas próprias mãos.

Demorei alguns meses para bolar um uniforme que não atrapalhasse meus movimentos e a percepção a minha volta. Ele demora mais para vestir do que treinei em minha casa algumas vezes, a capa ficou um pouco grande e fica mais pesada na chuva, tenho que ficar bem quieto para não pisar nela.

Estou em uma quadra do Gama à espera de qualquer sinal de violência. A maioria dos malfeitores cria confusão entre as onze da noite às duas da manhã. São quase três horas e estou começando a ficar com sono. Os energéticos que tomei apenas me deixaram com uma sensação incômoda ao respirar e olhos ardendo.

Mas a noite do meu batismo não poderia falhar com minhas expectativas. Após sair do muro onde estava mijando, posso ver um carro estacionando e duas pessoas se aproximando. Estão vestidos como bandidos e falam sobre cocaína e outras drogas pesadas como maconha.

Aproximo-me sorrateiro e atiro duas de minhas bombas de fumaça em direção do carro. Uma delas acerta a cabeça de um deles e cai na terra molhada sem estourar e a segunda solta um pó branco no vidro do carro.

Corro em direção do primeiro meliante e acerto um chute em sua perna. Acabo abrindo demais as pernas e perco o equilíbrio por conta da capa e caímos juntos no chão.

Tento sacar uma de minhas Tonfas mas ela prende minha luva na bainha, sinto chutes em minha cara, e acho que uma de minhas costelas se parte. Tento me lembrar da forma correta de respirar que aprendi na aula, mas a chuva me fez pegar uma corisa e só consigo engasgar enquanto continuam me batendo.

Vejo um brilho e sinto minha barriga esquentando, caiu algo molhado e quente em meu ventre e eles me xingam quando apontam a arma para minha cabeça.

- Atira de novo nesse imbecil!

terça-feira, 11 de março de 2008

Procedência

Ouço um eco interno... ele ressoa três vezes, meu batimento descompassado.

Tum! Tum... tum... um...

Esse sentimento de procedência à morte, que me é tão comum, me faz ranger os dentes e sentir formigar minha cabeça deixando-a leve. O frio que corre do estômago aos pés, fazem que eu pare, tire a blusa e busque ar olhando para o sol. Preciso do calor.

Um sorriso, leito úmido e o corpo para sentir que algo foi provado antes de partir. Que entre suor e sorrisos me diga em seus olhos que vai se lembrar em seus sonhos e nos momentos de prazer solitários.

As mãos trêmulas buscam a garrafa na ansiedade de manterem-se calmas. Dois longos goles são o suficiente para deixar a cabeça leve e o sentimento da dormência que se permite sentir sem ser incômoda.

Sinto mais uma vez seu cheiro nas peças de roupas deixadas para trás. Digo que é a saudades que trás a dor no peito que não pára e deixo que o “formigar” de meu braço seja a lembrança de seu peso sobre ele ao acordar.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Névoa

Olho o café esfriar em minha mesa, como um ode ao clichê do passado. Ele está frio o bastante para não desejar beber e engolir assim mesmo com uma careta estranha que combina comigo nesse momento.

Penso enquanto folheio esse livro sem me concentrar em nenhuma palavras escrita, zanzando linha por linha, pensando em como tudo que me cerca sempre torna-se névoa.

A sensação de um beijo deixado com saudades me prende a memórias que não são minhas. Meus pensamentos e atos sempre são mal interpretados por quem está a minha volta e penso por quê deixo sentir deste modo.

Por que as pessoas não entendem? Essa mesmo que agora sorri para mim na mesa a frente e que poderia estar me beijando em instantes, irá entender? Ou mais uma vez terei sorrisos, entregas, receios e lágrimas?

Meu corpo deveria ser destinado as putas. Comprar prazer pela necessidade do suor sem confundir ninguém. Sem envolver palavras e um rosto bonito o bastante para deixar lembranças e sorrisos soltos ao ar.

Peço mais uma café e deixo-o esfriar novamente sobre a mesa. Fumaça, névoa, Éter... Assim como eu.

sábado, 8 de março de 2008

Passagem

Dois amores, dois fios brancos, amigos que cabem na mão, livros lidos e uma lista interminável a ler.
Mentiras para divertir aos demais, para rejeitar falhas e para machucar mulheres quando não tive coragem de dizer “eu não”.
Um reencontro com o que é importante e sempre prorroguei, com paixões complementares e círculos para entender quem sou.
Tenho a sorte de viver o conceito de família que não necessita presença constante para ser sentida.
Um apreço ao sabor da cachaça, a preferência ao vinho e copos de cervejas com os amigos.
O sabor do doce que hoje enjoa e o desejo de comer jiló que antes odiava.
O compreender da sensibilidade no olhar que precede ao toque, no beber tua essência mesmo antes de me deitar sobre teus lábios, do equilíbrio e a certeza da harmonia ao descer meus olhos.
Deixemos o medo irracional do envelhecer de lado, finalmente entendo o cerrar de olhos ao abrir um livro antigo. Ele carrega em si todos que o leram e o cheiro do passado em si.
Assim como eu, meus pensamentos e escritos nesses 27 bem vindos anos.

Salud.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Sonho

Ela me recebe com um beijo quente, enroscando em meu corpo, me presionando contra seu corpo nu que acaba de sair do banho.

Nos deitamos no sofá da sala e abraçados fazemos amor com saudades e um desejo que estranho partir dela, mas aceito enquanto suas mãos me puxam para si e sua boca morde meu pescoço.

Sinto seu ventre crescer e alargar abaixo do meu, a cada movimento sinto o aumentar desproporcional e sua barriga a ponto de me descolar de seu peito. Quando penso em me afastar, ela tenta me puxar de encontro de seu corpo.

“Me faça gozar. Estou perto.”

Algo me força para fora de seu corpo enquanto ela continua pedindo que estoque com mais força e violência para seu prazer. A cada investida a sinto mais úmida, mais estreita... Mesmo me machucando continuo como é seu desejo até cairmos exaustos um ao lado do outro ao fim de nosso prazer.

Noto que sua barriga volta ao normal e que o lençol está empapado de sangue assim como meu pau e nossas coxas.

Algo se move e entoa lamúrias entre os lençóis próximos a suas pernas. E me deparo, com horror, com um feto disforme, lacerado e coberto de pústulas pelas estocadas de nosso coito, que se move e respira com dificuldade.

...

Acordo aos gritos e coberto de suor.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Vidros embaçados

Sorrisos, olhares, mãos passando pelo cabelo e um movimento de pescoço.

Olhos buscando a música, perdidos a imagem turva do cenário do lado de fora e mãos deslizando pelo encosto do banco.

Braços buscando corpos, cabelo, rosto e um beijo cortado por um sorriso.

Quero ficar, tenho que ir, quero sentir, tenho que ir.

Através do vidro embaçado um sorriso se despede como um convite.

Faz muito frio longe de você.

quarta-feira, 5 de março de 2008

O último homem

Jamais entendi essa nova e covarde geração de homens que perdem tempo tornando-se amigo e conselheiro das mulheres com quem dormem. Para o inferno com eles e sua viadagem enrustida!

Nenhuma mulher com quem já me envolvi quis ouvir palavras que não significam nada entre rimas e tão pouco queriam flores ao invés de meu corpo e meu pau.

Olho para meu filho com nojo, por suas lamúrias e falta de pulso para suas mulheres.

Um homem chorando por algo que não seja a morte de seus amigos ou a derrota de seu time não deve sequer ser chamado de homem. E aqueles que choram por perder, provavelmente por não saber como segurar, sua mulher são sequer indignos de serem chamados bichas.

Nunca me arrependi de nenhuma forma que agredi uma mulher. Talvez mentir falando que as amava tenha sido a única que poderia ter evitado, mas assim não nasceria casamento e conseqüentemente filho, o que nesse momento não soaria tão mal assim.

Machista... já ouvi essa palavra na boca de várias mulheres e posso confirmar que algumas delas estavam dizendo enquanto estavam gozando comigo.

Não entendo essa época frouxa a qual culpo completamente a propaganda e revistas femininas. Outra prova que todas as mulheres jamais deveriam aprender a ler, se for para perder tempo querendo saber como agradar seu homem na cama. Como se fosse preciso ensinar a alguma... para isso nos servem muito bem as putas e são bem mais baratas.

Meu filho vem fungando, me perguntando o que eu posso fazer para que ele possa esquecer a menina que destruiu seu coração. Me diz que ele não deseja mais viver em um mundo tão cruel aonde sua felicidade acabar de ruir sobre seus pés.

Digo ao lindo poeta que sirva-se no exemplo dos grandes autores que ele tanto admira e morra, por suas próprias mãos, em nome do amor de sua vida.

No velório agüento minha mulher chorando e me xingando no único momento que permito me dirigir tais palavras sem enfiar a mão em sua cara, na frente de um Padre, e então sorrio e choro olhando o corpo branco e frio de meu filho estendido sobre este caixão coberto de flores.

- Morreu como homem pelo menos.

terça-feira, 4 de março de 2008

Mágoa

Ainda preciso dele. Sei o quanto estou me enganando, sei a tola que estou aparentando deixando de lado todas as convicções e as fraquezas que odeio classificarem como femininas.

Como andas? O que tem feito de seus dias? Tem escutado nossas músicas? Está iludindo outra tola deslumbrada que vai dormir sorrindo pensando em ti?

Adoraria ter feito ao seu modo. Entregar-me por partes ao invés de inteira. Dividir-me entre vários homens ao invés de deixar meu corpo viciado no seu.

...

O vinho lava o alcatrão, que desce amargo desde que saiu sem me pedir licença. Noto olhares de interesses, conversas doces e homens simpáticos que ainda me fazem lembrar que existe uma mulher aqui.

Mas prefiro afastar cada um deles, todos esses olhares e sorrisos me enjoam. Ainda me lembram muito o seu olhar quando permiti deixá-lo entrar em minha vida.

segunda-feira, 3 de março de 2008

O batom

Um batom deixado propositadamente na mesa de cabeceira é a sua carta de despedidas.

“Não vou deixar minhas palavras para que você possa distorcer com mágoa ou tempo.”

O pequeno cosmético zomba de mim. Trás em sua forma distorcida, seus lábios grossos.

Arrumo minha estante, organizo meus livros, Cds e roupas. O maldito continua me encarando, um peso sobre o livro que estava lendo e que não consigo mais abrir.

É como sua presença: o mesmo olhar que convidava meu rosto para entre suas pernas. Que sorrindo, durante o gozo, me perguntava sobre o que lia.

“Não sinto mais saudades de você.”

Com um olhar displicente e com as malas prontas, desta forma, disse que iria me deixar.

Não me deu o direito de reivindicá-la. Apenas pediu que beijasse seu sexo como despedida.

“Deixe meu gosto em teus lábios. Só assim não terei asco de beijá-lo antes de ir.”

Todas minhas coisas estão dentro das caixas da mudança. Todas menos a mesa de cabeceira, um livro e um objeto que carrega seus lábios.