sábado, 31 de maio de 2008

Lapidar

Cecília sempre odiou o quarto que Estevão se enfiava para seus momentos de criação. Ele era um escultor que precisava de uma sala em tons pasteis, ao som alto de Creedence e a fumaça alta e densa do haxixe para deixar sair da argila, pedra-sabão e mármore seus sonhos e prolongar de seus membros.

Havia três anos que estavam morando juntos e o dedos sujos de barros, estavam visitando mais suas obras do que sua musa nestes últimos meses. Todo seu foco era para uma exposição que vivia mais em sua mente do que em qualquer lugar. E os olhos nublados estavam apaixonados como nunca por cada detalhe de sua entrega as formas.

Quantas vezes ficou sentada olhando o corpo magro e definido de seu artistas esperando que o suor de seu trabalho cobrisse o seu corpo, não mais pensava. Já se tocava sozinha e deixava a garrafa de vinho entre suas pernas, bebendo de seu gargalo pausadamente no sentir do volume cilíndrico entre seus lábios e o descer amadeirado de seu conteúdo.

Gozava em seu atelier, um leve sussurro saído do prazer desprovido mesmo do desnecessário toque para o corpo que sentia e clamava de sede pelo desejo que não a visitava sem saber o porquê.

Ainda era a mesma mulher bonita que ele disse estar no rosto de cada peça que ele criava, o desejava e mudou todos os conceitos de fazer amor que conhecera ao se deitar com ele na primeira noite. Aceitava cada uma de suas amantes, seus homens, todos os seus modelos no dividir do leito ou na ausência de um. Por que ele não a desejava mais?

No movimento hipnótico do descer e subir de seu formão, deixa um pequeno filete de suor em seu antebraço e um brilho em suas costas, ela suporta o tremer de seu corpo o suficiente para pousar a face em sua omoplata apenas colando seu corpo em encontro ao de Estevão.

Ele desce seu braço por um momento e toca as mãos de Cecília para que ela se afaste, ele sorri e volta ao trabalho enquanto ela se encolhe e segue ao quarto para limpar o suor frio de seu corpo.

Em seu trabalho, em sua criação a sede por falta do toque da mulher que deseja, nasce as novas e voluptuosas formas. Estevão deixa o suor correr pelo seu corpo, esse desespero é necessário. Lamenta apenas por Cecília, ela jamais entenderia.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Hárpia

Uma prateleira cai distante fazendo uma canção estridente e desarmônica. São as ações de quem foi esquecido em uma promessa sobre fidelidade, que jamais passou de um engodo sobre o trocar de falsos olhares.

Várias fotos são atiradas ao chão em um caleidoscópio de pequenos quebra-cabeças do que congelou um passado feliz. Cria-se a necessidade de cortar os sorrisos lado a lado quando na verdade simbolizava apenas um sincero e outro pura chacota.

Lágrimas correm pelo rosto, descem com fúria, contrária ao grito que rasga a garganta acima. Uma necessidade de sentir algo, qualquer coisa que marque a pele e mantenha áspera em si.

Esse corpo não deve sentir saudades, não deveria sentir desejo ou mesmo um momento de lembrança sobre a pele que jamais foi sua. Melhor que a corte para tirar de si todo e qualquer detalhe da doação tola e infantil de uma menina deixada em prantos.

Em meio da sala desarrumada, um coração bate agora um pouco mais calmo. Um corpo deitado sobre si mesmo, sobre a vergonha de ser traída e seguir amando. Esperando que esse sentimento dure apenas um instante, pois quando ele ligar, uma mulher vai mandá-lo a merda.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Um Café

O ancião pede um café em um bistrô que hoje ele sorri ao notar que todos os pagamentos são feitos via cartão. Em sua época (era jovem no ano de 2008) era um dos poucos estabelecimentos que não aceitavam cartões.
Ele toma seu expresso, se lembrando da menina que conhecera e que alguma forma trás, na senhora sentada a sua frente, os mesmos traços.

Lembranças do som suave do letreiro luminoso de um hotel retirante, uma música nada convencional em um caminho já conhecido e , hoje trocado pelo norte de duas asas.
E talvez pulsasse em seus olhos fitos na dança minimalista entre a xícara e o pires, a promessa da mulher outrora menina: o seu retorno. O retorno de um amor. A mais bela das histórias, pausada naquele início entre a ponte aérea Brasília – Porto Alegre e, qualquer outro lugar que ele já odiaria desde então, por ser o destino de sua dor.

Ele acena ao garçon a sua frente.
- Jovem? Poderia me trazer alguns grãos de café em uma xícara?
Ao recebe-la ele se levanta e caminha pausadamente, um contraste com o bater dentro de seu peito no sabor da jovialidade esquecida, e assim vai a mesa deixando cair lentamente grão-a-grão sobre a mesa da senhora que o mira.
- Cada dia, semana, mês e anos passaram como grãos de café em nossa ampulheta minha menina.

Como um velho produtor de vinho, ela observa o movimento de cada grão a sua frente. Um dia, duvidara, ser capaz de chorar. De repente uma só lágrima, faz retornar as folhas de outono e, a neve que assistira a longos anos corridos como a eternidade.
Os outonos e invernos acalentados pela lembrança dos seus olhos. Lágrimas na forma daquelas mãos.
Que doravante o tempo, eram as mesmas que um dia ela segurava e, tivera a certeza de ser aquela que se entrelaçaria em todos os jardins da vida.

Notando o mesmo olhar, este que permanece intocado mesmo disfarçado entre as marcas que teimam surgir pela idade, ele não hesita em deixar os grãos a mesa e limpar os olhos com seus dedos. Apenas pausando um instante sobre uma pequena pinta.
- Pensara que havia cristalizado todas as lágrimas voltadas a mim neste ponto. Há anos eu caminhei por diversos cafés e pensei em aguardar seu convite, caso a encontrasse. Felizmente a idade me dói as pernas, me obrigando a me convidar. Poderia?

O coração dela sutilmente dilacerado como naquela noite fria, no aeroporto, sorri. Sorri pelo reencontro de sua fonte de água limpa e fresca.
As unhas pintadas lembram rosas. Rosas suaves como o seu rosto marcado pela saudade. Marcas do tempo.
Ela o responde pelo olhar e, o convida a sentar em sua mesa. A vida se encarrega em retirar os resquícios do inverno. O verde nas árvores, sorriem frente a mais bela das histórias.
Suave, ela tenta esconder o sorriso de canto embora jovial, contraste com as rugas doces de seu rosto.

Então sentando-se ele pára por alguns instantes buscando entre a troca do dizer sem palavras. Falar sobre saudades, sobre o que deveriam ter feito, se poderia ter sido diferente? Não. Nada disso importa no começar da vida no momento que muitos chamam de final.
- Agora que carrego dinheiro comigo. Eles aceitam os cartões.

Como se as luminárias francesas brilahssem nos seus olhos, foi esboçado em seus lábios, a lembrança das jovens gargalhadas. Eles eram os mesmos.
Embora as marcas da vida e os espinhos os lastimassem por longos anos, a roseira permaneceria viva e, naquele momento, vigorosa capaz de fazer chorar qualquer poeta. Enfim, veio a gargalhada doce porém contida.

- Ainda sorri como uma menina. Sempre adorei seu sorriso, sempre adorei ser seu causador.
O velho sentado a frente também se sentia jovem. Era o mesmo galhofeiro de sempre. A idade, a perca dos amigos, das paixões, eram apenas etapas que servem como memória a necessidade de sentir-se feliz.
Deitou suas mãos sobre as delas e mesmo as manchas e o esticar no afinar de suas peles, eram insignificantes ao tremer instintivo de uma paixão marcada ao tato.

Primaveras sem cor. Outonos manchados com pequenas flores gravadas como os olhos dele. Invernos acalentados apenas por esperanças.
O aparente final, somente o início. Passos que precisariam ser dados na ausência. Uma leve introdução. O amor em brique. Entrelaçar de mãos. E, a nova casa, em um papel de parede suave como a bela tarde de outono, numa cafeteria francesa.



escrito em uma noite por Eduardo Ferreira e Jaqueline Lima, uma boa memória.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Fel

Olho esquerdo doendo e lacrimejando desde sua ausência. Não irei continuar gritando sozinho, batendo meus punhos contra o vidro de minha janela deixando o vermelho de meu sangue ao invés do embaçado do suor de nossos corpos.

Gosta do sabor do novo gozo em seus lábios? Ele provavelmente não sabe o quanto você gosta que cuspa em você, que te arranhe com força ao ponto de te fazer sangrar, de bater em seu rosto deixando-o bem vermelho e um leve tom arroxeado durante o dia. Não. Você jamais diria a seu novo amante o prazer secreto que confeccionou a mim.

Para ele você será a figura representada da fragilidade. A gueixa que ele terá tanto cuidado ao fazer amor, que jamais irá bater fundo o bastante para deixar teu útero dolorido.

Tenho pena de você sua vaca. Pena de ser os sonhos de um homem que jamais soube que pesadelos são mais marcantes que doces sonhos. Tenho mais pena de você do que de mim mesmo.

Vou deixar meu sangue correr como uma última hóstia em teu nome, sacramento sacana e pútrido. Tudo isso adoro em teu nome, em tua glória, em teu desejo. Que o sêmen caído em meu tapete seja o último derramado a ti.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Fantasia de Menina

Ela usa fantasias. Essa menina de 19 anos gosta de se pintar, vestir roupas coloridas e tinta no cabelo. Carrega alguns bastões e parafernálias que parecem servir para algo, que a primeira vista não servem para nada.

- No momento estou me preparando para me vestir de Arika Yumemiya.

Quem são essas pessoas? Que diabos ela está falando? Não faço a menor idéia. Só sei que está vestida como uma empregadinha doméstica, usa trancinhas e belas pernas a mostra.

- Faço Wushu para ficar em forma. A maioria das meninas cosplayer só usam uma fantasia e nem se movem como os personagens. Sem contar que não se preocupam em estarem magras para as personagens o que acaba virando um circo de aberrações.

Ela sabe cantar em japonês apesar de não entender nada além da música. É uma cantoria longa, estridente e monótona. Devo realmente está hipnotizado pela saia curtinha, os saltos e o giro de uma bastão sobre sua cabeça deixando sua calcinha a mostra.

- Você deveria ver outros animes além desses clichês. Tudo que você assistiu são velharias que já passaram da época. Nada aqui é de 2000.
- Mas eu gosto desses.
- Akira, Cowboy Bebop, Ghost in the Shell... Aff, tudo passado.

Nesse momento você percebe que está velho demais até para desenhos japoneses. Uma pena realmente isso tudo estar à mostra em minha pilha de Dvd’s piratas, mas não fosse por isso, como poderia estar convidando essa adolescente para minha casa?

- Adoro a cultura japonesa. Ela é tão rica! Cheia de mistérios, belezas... tão exóticas. O que você mais gosta do japão?
- Saquê.

Uma fantasia, sempre é uma fantasia. Ouvir essa menina sussurrando meu nome enquanto a seguro pelas trancinhas, nesse vestido de empregadinha (para o inferno com essa tal de Arika-sei-lá-o-quê) compensou o mínimo de cultura nerd presente nessa estante.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Açúcar Mascavo

Cresci em uma fazenda no interior de Alagoas. Nessa casa antiga montada no século XIX morava minha mãe, meu pai o coronel Sebastião Justo e por 17 anos eu também vivi com eles.

Sebastião Justo era um homem prático e sem nenhuma qualidade como pai ou marido. Seu trabalho era cuidar da cultiva da cana-de-açúcar e isso fazia magistralmente ao suor de seus empregados, que tratava com o zelo que destinava as mulas.

Minha vida era a promessa de aprender seus passos e guiar esta fazenda que pertenceu ao meu bisavó por custa de escravos e por vitória, na posição de capitão, pela revolta da Cabanagem.

Quando tinha uns cinco anos, minha irmã mais nova morreu de uma febre e nesse mesmo momento, minha mãe se apegou mais de mim. Me contava várias histórias de seus romances e ficções que parecia fazer sua vida menos áspera.

Tinha oito anos quando descobri que os livros que tanto apreciava em dividir com minha mãe e ler sozinho entre a cana seca na lavoura, poderiam ser dolorosos.

- O que deseja ser quando crescer senhorzinho? – A pergunta veio de um amigo de meu pai, um senador de Alagoas, durante um jantar.

- Escritor.

Meu pai apenas levantou da mesa e me acertou um forte soco na boca. Foi apenas o momento dele apenas pedir desculpas aos convidados e minha mãe levar uma criança de lábios inchados para o quarto.

Chorei por alguns momentos no colo de minha mãe e enquanto ela passava Arnica em meu rosto, me olhou nos olhos dizendo a regra mais simples e verdadeira desta casa.

- Ele gosta quando choramos. Apenas guarde isso para si.

Aos meus doze anos, uma jovem chamada Jardenne veio trabalhar em nossa casa. Era prima de nossa governanta, que vivia mais afastada, quase beirando a Pernambuco. A menina deveria ter uns 17 anos quando veio para a fazenda e tinha os olhos bem escuros com um brilho tão forte nos olhos que me deixava tonto. Sua pele era do tom de mascavo e brilhava ao sol.

Ela foi a única amiga que tive, aquela que brincava comigo e pedia para ler alguma coisa para ela quando o coronel não estava em casa, desde aquele dia os livros entravam escondidos por conta do padre Antônio.

- Como tantos dias podem caber em um livro? De onde surgem tantas pessoas e tantos lugares?

- É um pouco de magia Jardenne.

- Magia?

- Como a chuva que seus olhos carregam. O cheiro do mato no seu cabelo e sol marcado em sua pele.

- Você diz coisas estranhas.

Um dia meu pai simplesmente me pegou pelo braço e me levou para a cidade. Viajamos calados por duas horas e então entramos em uma casa toda enfeitada e com cheiro doce por todos os lados, havia um mundo de mulheres vestidas como rainhas e muitos homens bêbados.

- Hoje você vira homem. Está na hora de esquecer as besteiras que sua mãe fala.

Uma senhora me pegou pelas mãos e me levou a um quarto. Ele era coberto de seda, pó, quente e com tanta fumaça que me deixava tonto. Pegando em minhas mãos ela disse para eu esperar sentado que logo eu receberia um presente. Me deu um beijo molhado e pegajoso no rosto, saindo e deixando uma enorme marca de batom.

Uma menina entrou em pouco tempo, tinha o rosto pintado e um olhar parecido com o de minha mãe, triste e distante, sentou ao meu lado e passou a mão em minha perna.

- Você parece um boneco de tão bonito.

- Obrigado.

- Quer que eu tire a minha roupa primeiro?

Eu fugi em pânico. Meu pai me bateu mais ainda e disse que eu o envergonhava. A dona do estabelecimento disse que eu era muito menino ainda, que ao contrário dele, talvez eu devesse voltar em um ou dois anos, quando as cabras não forem o suficiente. Ela riu e pediu que meu pai tivesse paciência.

Voltando para casa, ele discutiu com minha mãe. Disse que seu filho tinha se tornado um frouxo por culpa dela, que não iria passar a fazenda para uma mulher cuidar e que daria sua casa, fazenda e fortuna ao seu bastardo ao invés de mim. Com uma mulher de verdade, em seus conceitos, ele tinha certeza que teria um filho de verdade.

Fiquei em meu quarto, desta vez eu escondi o choro, lendo um livro sobre contos de uma terra distante com objetos mágicos e areias sem fim.

- O coronel te levou ao Bordel?

Jardenne trazia um suco de caju em uma jarra e sentou ao meu lado.

- Não tem nada demais menino. Todos os homens tem que se deitar com uma mulher.

- Eu quero só sair daqui. Quero ir para o mundo de Aladin, de sultões e magias.

- Isso é só faz de conta. São histórias. Você tem que fazer o que o coronel manda.

- Odeio esse homem! Eu quero que ele morra.

- Um dia isso vai acontecer. Mas precisa lembrar que ele é seu pai e deve obedeces-lho.

- Você não fugiu de casa? Eu posso fazer o mesmo. Vamos fugir juntos!

- Pára de falar besteira Amilton.

Ela tirou meu cabelo do rosto e beijou lentamente meus lábios. Ela me abraçou e pude sentir todo o seu corpo me envolver, me esquentando e fazendo disparar meu coração ao ponto de doer no peito.

Ela não me disse nada. Apenas tirou sua roupa, me mostrando todo o tom do açúcar mascavo e os olhos chuvosos brilhando para mim. Tirando minha roupa me abraçou, deixando que nos tornássemos apenas um em um calor que somente pude nomear de amor.

Dormiu ao meu lado e depois disso me deu um beijo doce na testa e chorando disse para eu arrumar minha mala, que iria arrumar as coisas dela para fugirmos juntos.

Quando cheguei com a mala na sala, meu pai estava sorrindo com um charuto em sua mão. Botou um copo de bebida ao seu lado e serviu outro para mim.

- Você é como eu menino. Não come fora se tiver em casa. Jeitosinha ela.

- Eu a amo Coronel. Vou sair de sua fazenda e me casar com ela.

- Casar com ela? Seu idiota! Quanto acha que custou para ela dormir contigo?

- ...

- Pelo menos foi mais barata que as da cidade.

Corri para meu quarto e pela primeira vez não conseguir esconder minhas lágrimas. Chorei como um desesperado, como alguém perdido em um lugar estranho, sem nenhuma chance de jamais sair de seu cárcere.

Dormi e ao acordar, percebi um pano embaixo de meu travesseiro. Nele tinha alguns tostões, um torrão de açúcar mascavo e uma mecha de seu cabelo preto.

Comprei meu primeiro bloco de notas com aqueles tostões que foi o custo de minha virgindade.

Jamais me encontrei com Jardenne novamente, mas sei que tudo que escrevo é um louvor a seus olhos chuvosos e sua pele de açúcar mascavo.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Exposição

Eram mais de 19 horas quando me chamaram para ir ao IDA na UNB.

- Podemos dar uma passada por lá. Vai rolar uma exposição.
- De qual é?
- Lembra da parede que neguinho tava pintando? Então é esse esquema.
- Beleza.

Não tem como abrir mão de prestar a homenagem a um amigo. O cara mexe com artes é talentoso para caralho e tem peito para dizer que vai viver disso, lógico que passando em concurso é mais fácil de ter peito para essas coisas. Mas deve rolar bira de graça, vamos nessa.

Gente chata, minas feias, música ruim e exposição legal. Bom, pelo menos um ponto está valendo a pena. Estaria tudo tranqüilo se o vinho não fosse tão ruim a ponto de seu nariz não deixar bebê-lo, algumas coisas mudam perto dos 30, então partimos para a única cachaça presente. Um brinde ao produto nacional, viva a Boazinha.

- Não pensei que iria te encontrar por aqui.

Essa frase veio acompanhada de um olhar blasé e um nariz naturalmente empinado de uma menina que estudou comigo no segundo grau e hoje está na UNB. Esse povo deveria estar formado já, não é?

- Um amigo meu está expondo aqui.
- É?
- Aham. Ele pintou a parede com uns desenhos maneiros.
- Só... Achei isso aqui meio bestinha.
- Tem algo seu aqui?

Não. Não tem nada que caiba nem no conceito bestinha UNB.

- Pois é... E aê? Já se formou?
- Não, eu ainda tenho muitas coisas para terminar. A UNB meio que te prende sabe?

Não, não sabia porra nenhuma sobre isso.

- Muito tempo mesmo que não te vejo. A última vez, foi meio...
- Ruim. Uma merda mesmo cara. Você é um babaca!
- É. Às vezes sou mesmo.

Ela dá um sorriso, esbarra em um cara de chapéu coco e vai batendo seus tamancos em direção a saída.

Menina interessante. Queria me lembrar o nome dela.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Camomila

Tranças feitas e refeitas ao som de Marisa Monte. Olhando no espelho, um pequeno cravo incomoda e teima em não sair por mais que o pressione.

O bule continua cantando a espera do sachê, que pousa no funda da sua xícara comprada em Barcelona. Algumas fotos, uma camisa de futebol, uma xícara e beijos sobre um toldo na Praça do Pinheiro são as memórias guardadas da última viagem juntos.

Estava chovendo quando deixaram sua bicicleta e mochilas no chão e tomara o melhor chá de camomila de sua vida. Tinha um sabor que finalmente correspondia a flor, a mesma que ele havia comprado em uma banca para ela.

- Camomila em seus cabelos, em seu vestido e dentro de ti.

O doce sabor do beijo, com hálito de camomila, hoje é sentido no vapor do chá ao beijar a xícara.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Que pena

O gole de cerveja desce lavando a garganta rouca de cigarro e gritos por uma música que ainda não tocou. Marina, tira o cabelo grudado em sua testa, brilhando por conta da dança, calor e umas pequenas lágrimas disfarçadas em um rosto suado.

Suor e sorriso em meio ao salão lotado do Calaf. Salve Jorge canta Que Pena em meio ao salão e ela grita em plenos pulmões, grita para ser ouvida, para ser sentida e que atraia os olhares daqueles que tentam acompanhar seu ritmo com copos de plásticos na mão.

Pois não é fácil recuperar
Um grande amor perdido

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Quem dá mais?

Batendo na porta do senado, encontra-se um homem honesto que diz saber bastante sobre o Rio e muito pouco sobre o Brasil.

Quem de certo conhecia o Brasil, que conhecia o enorme verde de nossa bandeira, hoje sai de sua área de atuação para que o Brasil atue como desejam os Democratas.

Sai de cabeça erguida em uma batalha que não teve fim, e nem terá, enquanto sobrar uma menina pobre que possa sonhar em se educar, alcançar a posição de olhar nos olhos dos que destroem sonhos e patrimônios.

Agora comecemos, pelo bem do desenvolvimento, pelo futuro, pelo PAS nas mãos da rapinagem...
Que comece o cata-vareta.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

?

O som parte sozinho em um DVD
a coleção cuidadosamente feita
para ouvir com ela hoje se escuta sozinho

Acenda seu baseado, limpe as taças de vinho
marcadas como os lençois e sua pele
e tente sorrir ao menos

Nobody sees when you are lying in your bed
And I wanna crawl in with you

A faixa entra propositalmente ao descer
de suas lágrimas, de suas memórias
mesmo sem entender

Sorria e agradeça o valor da escolha

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Mesa de Bar II

- Bárbara é uma vadia.

Nessa mesa de bar, atraindo olhares dos homens ao lado, estão conversando um grupo de amigas: Helena, Camila, Cíntia e Bárbara. Elas sentam juntas para beber desde o segundo grau e foram aumentando e trocando os integrantes com o passar do tempo, troca de namorados, entrada na faculdade, trabalho... Hoje elas estão reunidas, quase todas, Bárbara saiu para ir ao banheiro.

- Qual é Helena... Só porque ela está ficando com o Diego?

- Não por isso Camila. Mas por que eu conheço a Bárbara há muito tempo, sei que ela vai acabar sacaneando com ele.

- Eu odeio essas conversas. Toda vez que sento com os meninos ele sempre dizem que quando nos reunimos é para falar de homens. Será que poderíamos uma noite sair desse clichê? Concorda Cíntia?

- Eu...

- Não é nenhum clichê. – Helena corta, antes que Cíntia fale alguma coisa. - Não estou falando de homens, estou falando da vadia da Bárbara.

- Sim Helena. E a pauta toda é por conta do Diego. Por que está tão preocupada? O Diego sabe com quem está se metendo. Aliás, foi ele que vivia em cima dela.

- Acho melhor vocês falarem baixo porque a Bárbara está voltando. – Cíntia fala baixinho.

- Meninas... Aquele banheiro é um nojo! A maioria dos caras que conheço não ficariam mais com nenhuma menina após entrar naquele banheiro. O que essas mulheres comem? Que nojo.

Um cara chega à mesa e olha para as quatro amigas, ele decide focar o interesse a mais chamativa da mesa, Bárbara, e aponta seu cigarro.

- Tem fogo?

- Tenho sim.

- Obrigado.

- De nada gatinho.

Ele volta para a sua mesa e a encara por mais alguns instantes.

- Pronto. Agora ele vai ficar me olhando a noite inteira esperando que eu vá até sua mesa e o puxe pelos cabelos para ficar com ele. Cambada de meninos frouxos esses.

- Verdade. Eu odeio quando eles fazem isso.

- Como se algum deles já tivesse feito isso com você Cíntia.

- ...

- Por que você está ficando com o Diego? Por que você está ficando com ele Bárbara?

- Porque ao contrário de você Helena, eu tive coragem de chegar nele.

- Vou ao banheiro.

- Vai a outro Cíntia, aquele está horrível.

- Meninas, vocês já estão bêbadas. Cíntia senta aí! Helena vêm, vamos sair um pouco.

- Vai defender ela Camila? Por que você nunca fica do meu lado?

- Eu fico do seu lado sim. O problema é que você está bêbada e não consigo suportar gente bêbada. Ainda mais quando começam a falar merda para minhas amigas.

- Ah, então eu não sou sua amiga?

- Caralho. Vocês duas são. As duas são minhas amigas! Quer saber? Vai à merda Bárbara, vão a merda as duas! Toma aê meus 10 contos. Vou embora.

- Puxa, olha o que você fez Bárbara.

- Cala a boca Cíntia. Como se eu tivesse dito algo errado. Falei Helena?

- Parece que você me conhece tão bem não é? Esqueceu quem ficou te alugando para ficar com o Diego? Eu fiquei no seu pé durante três semanas.

- E agora que estou ficando com ele, vai ficar me censurando?

- Só quero que você o trate bem. Diego está apaixonado por você.

- O problema é que ele é grudento Helena. Não suporto cara que fica me ligando para saber se dormi bem.

- O Diego te liga para perguntar se você dormiu bem?

- Liga sim Cíntia. O tipo de homem que você adoraria ter.

- Ele é meu amigo Bárbara. O amigo mais leal que eu tenho. Não quero é ele sofrendo por sua causa. Ele gosta mesmo de você. Por favor, cuide bem dele.

- Você é uma idiota Helena. Diego é o tipo de homem que gosta de levar chifre. Será que não percebe isso? Carinhoso demais, gentil demais, babaca demais. Eu vou ser a mulher que vai mostrar a ele como ser homem. Que mulheres não gostam de homens assim.

Bárbara bota seus 20 reais na mesa e levanta. Sorri para o garoto na mesa em frente, lhe dá um beijo e sai para seu carro com ele a seguindo.

Cíntia passa a mão nos cabelos de Helena e ela se encolhe quando ela a toca.

- Helena... Eu gostaria de um cara como o Diego. Na verdade eu sempre o achei muito bacana e bonito. Mas sei que não teria nenhuma chance com ele.

- ...

- Helena? Você está chorando?

As duas amigas estão abraçadas e o garçom se desvia da mesa. Algumas meninas da mesa ao lado estão rindo.

- Eu o amo Cíntia. Eu o amo demais! Só percebi isso agora.

- Fale com ele Helena. Aposto que Diego ficaria com você.

- Não entende? Quando Bárbara terminar com ele, tudo vai estar mudado. Ele vai ser como todos esses babacas.

- Por quê?

- Porque ele vai sofrer Cíntia. E eu terei que o ouvir maltratando outras meninas para se sentir vingado.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Um mestre se despede

Um educador da música morreu hoje.

E uma sensação de tê-lo conhecido tarde demais me consumiu por alguns instantes, um breve minuto que se tornou um sorriso em outro instante.

Fiquei feliz por conhecer o homem que apenas ensinava música, sem pré conceitos por seu direcionamento partidário, sem o político, apenas o apresentador do programa "Quem tem medo da música clássica" da Tv Senado.

Todos aprendem a cada programa um pouco sobre enormes mestres da música clássica, seu movimentos, instrumentos, compositores e obras. Sei que em breve o Teatro Nacional irá preparar um concerto em seu nome, em sua homenagem.

Sei o quanto aprendi com ele. O quanto estava certo que quem não tem música, padece de vida interior.

em memória a Artur da Távola

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Desclassificados

Cabisbaixo, o menino que guarda os carros debaixo do prédio aonde trabalho, estava com a camiseta do flamengo enquanto comia um sanduíche de pão francês.

- Só time de fora para tirar o flamengo né?

Sempre que tem jogo a gente troca umas palavras, mas foi a primeira vez que vi ele com olhos vermelhos.

Estava vendo o jogo até o 2X0, depois disso estava transando e não pude ver o resultado final. Mas como não ouvi nenhum rojão e senti uma cidade mais silenciosa que o normal, tive para mim que estávamos desclassificados.

Cheguei ao trabalho com a camiseta do Flamengo, prometi que a usaria ganhando ou perdendo e a ironia me fez usar em um jogo ganho deixando verdades absolutas tornarem-se sonhos.

Teria sido o comemorar do domingo? Encheram tanto a cara assim? Comeram putas demais? A enorme vantagem subiu a cabeça? Porra... Logo no Maracanã galera? Sujeira... Muita gente voltando para casa, muitas mulheres para apanharem de seus maridos, muitas brigas em bares, talvez algum assassinato.

Agora é desforra. É ouvir os botafoguenses sacaneando, críticas sobre a ilusão coletiva flamenguista, ler uma penca de blogs falando contra e fazer o inverso. Gritar em plenos pulmões que aprendeu a gostar tanto, mas tanto desse time, que torce e grita Flamengo até quando perde.

É meu caro... Bem vindo ao papel de torcedor. Seque as lágrimas e siga em frente.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

A camisa 11

Estive semana passada no Cruzeiro, buscando um novo apartamento para morar. Este bairro tipicamente carioca, dentro de brasília, me atrai por memórias e as pessoas que fazem parte dela e uma cena em uma de suas quadra me fez rir demais.

Um casal de namorados que não deveriam ter mais do que 14 anos estavam discutindo depois da escola (os dois estavam de uniforme). Aparentemente ele havia feito uma enorme cagada e a menina magoada, não dava nenhum sinal de perdão aos seus apelos, pegou sua mochila, seu fichário e foi saindo de nariz em pé. Então o menino grita, sem nenhum pudor a quem esteja a sua volta:

“Tereza! Depois de você, bem depois... Só o Flamengo Tereza!”

...

Este domingo de 04 de maio, vai ficar marcado para mim. Sempre escuto uns coroas falando de datas especiais de futebol, de quando seu time jogou para caralho e teve grandes conquistas. Ontem foi um dia como este, o Flamengo consegui ser Bi-campeão pelo campeonato carioca em uma campanha que está deixando saudades no partir de Joel-Patuá-Cachaceiro-Prancheta-Santana.

Como toda a vitória de final de campeonato deveria ser, essa não foi fácil. Tudo parecia ganho, um gol de vantagem até que Bruno lembrou que não tinha almoçado antes da partida devorando aquele maravilhoso frango. Tenho para mim que isso apenas foi praga de goleiro usando qualquer número que não seja o 1, deixe isso para o Rogério Ceni porra!

Tudo igual até que no segundo tempo, até a substituição do mestre Joel e a entrada daquele que já não tem mais nome além de “O iluminado”. O baiano Obina deixa a vantagem para o Flamengo, põem o Maracanã no chão calando o Botafogo nos primeiros 3 minutos e criando o hino de Bi-campeão antes mesmo do fim do jogo.

Bruno compensa com sua camisa verdadeira e suas defesas, assim como Tardelli e Obina marcando mais dois lindos gols antes do jogo acabar. Assim marcam a confirmação do Bi-campeonato no 3x1, para ninguém dizer que ganhou somente por conta da vantagem.

Seria um dia feliz para quem está apaixonado pelo futebol e amando o Flamengo, mas receber uma camiseta com o selo do clube de regatas e o rasgado 11 nas costas... Isso beira a premonição e quase fez esse idiota cair em lágrimas. Usaria mesmo perdendo. Mas por hora? Usarei ganhando rapá, porque ninguém mais pára esse meu Flamengo!

Quanto a Tereza? Sim. Ela voltou sorrindo para o seu flamenguista arrependido. Salve Jorge!

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Cafajeste

Cafajeste sm. Brás. Sujeito desclassificado.

Desclassificado adj. 1. Que não teve classificação. 2. Indigno de consideração social.

(fonte: Dicionário, Aurélio Buarque de Holanda)

Tenho me sentindo perdido nesses últimos dias, andando de um lado para o outro e deitando em diversos leitos para acalmar minha sede e tentar estar em harmonia com novas ou antigas amantes.

Ultimamente tenho escutado que não deveria iludir as pessoas, que nenhuma mulher deveria ser tratada de outro modo que não seja a prioridade aos olhos de um homem. Concordo com isso. Jamais trate uma mulher como uma qualquer, trate-as como especial enquanto estiver com elas, que ela seja a única aos seus olhos e toques o tempo que durar. Mas não entendo a prioridade. Esse conceito egoísta é que eu não entendo.

Está em paz ao meu lado? Gosta de nossos momentos e da liberdade que te dou para ser quem queiras? Por que me cobra que seja inteiramente seu? Por que não posso sair de sua casa, comer na de outra o tempo necessário para recuperar a carne e iniciarmos um novo pleitear de nossos corpos?

Sou um eterno apaixonado pelas mulheres que passam em minha vida. Qualquer mulher com quem divido minha cama tem minha inteira devoção, seja para o desfrutar de seu corpo ou o nublar de seus pensamentos.

Terá minhas sinceras e falsas palavras. Cada uma aos seus interesses, modos e momentos. O peito que pousa para dormir, o corpo que te abraça enquanto sorri ou esconde lagrimas pela noite, será seu enquanto não acordar. Será seu até que me digas que precisa ser somente seu. E então irei partir enxugando lágrimas e escondendo as minhas.

Queria jamais ter sofrido uma desilusão que me permitisse ser somente de uma novamente. Adoraria o envolver displicente de seus amantes que tanto reclamam em meus braços. Quem sabe passar incógnito e não ser o ideal de seus sonhos? E assim quem sabe, não me chamaria de cafajeste.