quarta-feira, 11 de junho de 2008

Encaixotando Gisele

- Lembra-se daquele casaco que ela comprou na viagem para Campos do Jordão?
- Um com bolinhas não era?
- Esse mesmo. Eu me lembro que ela gostava tanto dele e nunca mais pode usar, fazia calor demais em Brasília para usá-lo. E agora ficou tão frio.
- Quer que eu pegue mais um vinho? Esse acabou.
- Aham, quero sim.

Os dois estavam com uma caixa aberta no meio da sala e guardando todas as pequenas peças que compunham Gisele: os livros, peças de roupas e os pequenos objetos. Ainda não tinha coragem de buscar o pequeno álbum de fotos deixados em cima da mesa da sala.

- Abro o Gato Negro ou Concha y Toro?
- Gato Negro, o Merlot.
- Aqui meu velho.
- Saúde.

(...)


- O que você quer fazer com as fotos?
- Não sei.
- Acho que você deveria guardar as fotos.
- Tenho uma penca delas no meu computador. Gisele que sempre gostou de revelar as fotos, ela dizia que olhar fotos no computador era como ler um livro nele. Um crime.
- Mais um motivo para guardá-las então.
- Não quero guardar nada.

Mais um álbum desce até ao fundo da caixa, ele o acomoda entre alguns livros que ela sempre lia e relia e alguns CDs. Ainda incomoda, machuca demais e ele ainda não encontrou o casaco.

- Onde está a porcaria do casaco de bolinhas?
- César.
- Não quero encontrar esse casaco quando já estiver fechado a caixa. Eu tinha que guardar tudo antes de guardar, eu não quero deixar nada espalhado...

Ele só abraça o amigo, deixando de lado as taças de vinho enquanto César chorava entre as frases.

- Eu não pude fazer nada. Estava ali... Sentado ao seu lado... Só podia esperar, vê-la definhando. Droga cara. Eu não pude fazer nada.
- Você fez mais por ela do que qualquer outro.
- Ela prometeu ficar do meu lado, disse que iria melhorar.
- Ela te amava velho. Todo mundo a amava muito.
- Não é justo Rodrigo. Porra... Ela só tinha 25 anos. Nós estávamos bem. Não é justo.
- Eu sei.

O câncer havia tirado o toque de pele, a mordidinha na língua quando ela sorria, o rosto triste quando se sentia perdida e principalmente o acomodar de sua cabeça em seu peito no meio da noite e o dizer baixinho:

“Vai continuar me amando amanhã?”

2 comentários:

Mah disse...

O tempo destrói tudo (?)

tatiana reis disse...

Das piores cenas da minha vida
guardar as coisas...
encaixotar, doar, separar pelo menos uma blusa que ainda reste um cado de cheiro. Não quero guadar muito mais coisas.