quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Digerindo vidas

Ela se levanta da mesa e ainda estou com minha cara de idiota enquanto pago a conta. Estou tentando sair da mesa, quando vejo um senhor sentado na mesa a minha frente. Ele corta a carne de seu Filé com uma calma mecânica e parece sentir o aroma por alguns instantes antes de morder a fatia fina e vermelha e mastigar calmamente. No terceiro pedaço que ele mastiga fico intrigado e me aproximo da mesa.

- Desculpe mas não pude deixar de notar o prazer que come seu prato. Poderia me dizer o que é para que eu possa experimentar na próxima vez?

- O mesmo que você está comendo nesse instante meu rapaz.

- Não senhor, eu não comi carne hoje, eu pedi uma Pasta ao Fungi e...

- Você está comendo o mesmo que eu. Está ou não está apaixonado pela jovem que saiu de sua mesa há instantes?

Fico encabulado e presto atenção ao modo que volta a olhar para a comida e novamente para mim.

- Sente-se rapaz. Assim talvez você entenda o que eu quis dizer.

Ele olha atentamente para o prato a sua frente e então cerra os olhos como se para sentir o aroma delicioso da carne e suspirando começa a cortar a carne com leveza sem sequer olhar para mim.

- Relacionamentos são como incríveis refeições meu jovem. Inicialmente somos fisgados pelo aroma, por sua disposição, por sua aparência e componentes. Quando estamos satisfeitos, não notamos nem sequer o mais saboroso dos pratos. E famintos deixamos nos fisgar por qualquer coisa que nos ofereçam.

Ele deixa a carne parar uns instantes à sua frente e leva a boca com leveza, mastigando lentamente e com os olhos fechados e trêmulos.

- Ao aceitarmos a pessoa que amamos, a provamos notando todas suas exóticas qualidades e deleitamo-nos com seu sabor. Ela nos torna alguém estagiado, inteiro, vigoroso e único. Como se só nós pudéssemos entender o sabor que corre como energia por nossos corpos.

Ele engole com tranqüilidade e abre os olhos em direção a luz do teto do restaurante e então olha para mim.

- Após absorver essa pessoa, ela faz parte de nós. Alimenta-nos, fortalece, nos faz sentir dispostos e capazes de enfrentar nossos desafios e nossos receios. Estamos tão intimamente ligados que sabemos que ela está em nossos sonhos e confiamos que sua energia irá durar para sempre.

Eu arrepio ao perceber uma lágrima correr pelo meu rosto. Então levo um susto quando ele solta o talher no prato vazio e bebe rapidamente um copo de água.

- Mas depois garoto. No final tudo vira merda!

2 comentários:

angelica duarte disse...

nunca confiei que essa tal energia duraria para sempre.
como, sabendo que em breve, sentirei fome de novo.

ás vezes, sinto fome e prefiro deixar assim mesmo.
ás vezes, como sem fome alguma.
gula e falta de fome.
obesidade e anorexia e bulimia.

quantas metáforas possíveis, né?

Mah disse...

perfeito!

me tocou muito também

=)