quarta-feira, 28 de maio de 2008

Um Café

O ancião pede um café em um bistrô que hoje ele sorri ao notar que todos os pagamentos são feitos via cartão. Em sua época (era jovem no ano de 2008) era um dos poucos estabelecimentos que não aceitavam cartões.
Ele toma seu expresso, se lembrando da menina que conhecera e que alguma forma trás, na senhora sentada a sua frente, os mesmos traços.

Lembranças do som suave do letreiro luminoso de um hotel retirante, uma música nada convencional em um caminho já conhecido e , hoje trocado pelo norte de duas asas.
E talvez pulsasse em seus olhos fitos na dança minimalista entre a xícara e o pires, a promessa da mulher outrora menina: o seu retorno. O retorno de um amor. A mais bela das histórias, pausada naquele início entre a ponte aérea Brasília – Porto Alegre e, qualquer outro lugar que ele já odiaria desde então, por ser o destino de sua dor.

Ele acena ao garçon a sua frente.
- Jovem? Poderia me trazer alguns grãos de café em uma xícara?
Ao recebe-la ele se levanta e caminha pausadamente, um contraste com o bater dentro de seu peito no sabor da jovialidade esquecida, e assim vai a mesa deixando cair lentamente grão-a-grão sobre a mesa da senhora que o mira.
- Cada dia, semana, mês e anos passaram como grãos de café em nossa ampulheta minha menina.

Como um velho produtor de vinho, ela observa o movimento de cada grão a sua frente. Um dia, duvidara, ser capaz de chorar. De repente uma só lágrima, faz retornar as folhas de outono e, a neve que assistira a longos anos corridos como a eternidade.
Os outonos e invernos acalentados pela lembrança dos seus olhos. Lágrimas na forma daquelas mãos.
Que doravante o tempo, eram as mesmas que um dia ela segurava e, tivera a certeza de ser aquela que se entrelaçaria em todos os jardins da vida.

Notando o mesmo olhar, este que permanece intocado mesmo disfarçado entre as marcas que teimam surgir pela idade, ele não hesita em deixar os grãos a mesa e limpar os olhos com seus dedos. Apenas pausando um instante sobre uma pequena pinta.
- Pensara que havia cristalizado todas as lágrimas voltadas a mim neste ponto. Há anos eu caminhei por diversos cafés e pensei em aguardar seu convite, caso a encontrasse. Felizmente a idade me dói as pernas, me obrigando a me convidar. Poderia?

O coração dela sutilmente dilacerado como naquela noite fria, no aeroporto, sorri. Sorri pelo reencontro de sua fonte de água limpa e fresca.
As unhas pintadas lembram rosas. Rosas suaves como o seu rosto marcado pela saudade. Marcas do tempo.
Ela o responde pelo olhar e, o convida a sentar em sua mesa. A vida se encarrega em retirar os resquícios do inverno. O verde nas árvores, sorriem frente a mais bela das histórias.
Suave, ela tenta esconder o sorriso de canto embora jovial, contraste com as rugas doces de seu rosto.

Então sentando-se ele pára por alguns instantes buscando entre a troca do dizer sem palavras. Falar sobre saudades, sobre o que deveriam ter feito, se poderia ter sido diferente? Não. Nada disso importa no começar da vida no momento que muitos chamam de final.
- Agora que carrego dinheiro comigo. Eles aceitam os cartões.

Como se as luminárias francesas brilahssem nos seus olhos, foi esboçado em seus lábios, a lembrança das jovens gargalhadas. Eles eram os mesmos.
Embora as marcas da vida e os espinhos os lastimassem por longos anos, a roseira permaneceria viva e, naquele momento, vigorosa capaz de fazer chorar qualquer poeta. Enfim, veio a gargalhada doce porém contida.

- Ainda sorri como uma menina. Sempre adorei seu sorriso, sempre adorei ser seu causador.
O velho sentado a frente também se sentia jovem. Era o mesmo galhofeiro de sempre. A idade, a perca dos amigos, das paixões, eram apenas etapas que servem como memória a necessidade de sentir-se feliz.
Deitou suas mãos sobre as delas e mesmo as manchas e o esticar no afinar de suas peles, eram insignificantes ao tremer instintivo de uma paixão marcada ao tato.

Primaveras sem cor. Outonos manchados com pequenas flores gravadas como os olhos dele. Invernos acalentados apenas por esperanças.
O aparente final, somente o início. Passos que precisariam ser dados na ausência. Uma leve introdução. O amor em brique. Entrelaçar de mãos. E, a nova casa, em um papel de parede suave como a bela tarde de outono, numa cafeteria francesa.



escrito em uma noite por Eduardo Ferreira e Jaqueline Lima, uma boa memória.

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