terça-feira, 8 de abril de 2008

Tia Regina

De todas as mulheres de minha família, a que eu mais me fascinava era uma senhora a quem todos chamavam de Tia Regina. Ela odiava que a chamem de tia, e sempre nos corrigia, em meio a seu praguejar, que não a chamassem assim.

Ninguém jamais soube exatamente a idade dela. Alguns chutariam uns 70 outros quase 80 mas a educação e intimação dos mais velhos nos impediu saber sua verdadeira idade.

Sabemos que ela foi uma mulher muito bonita, a mais bonita de todas da família. Quando mostrava suas fotos antigas, coisa que adorava fazer, sempre víamos uma linda mulher, com a aparência das antigas divas do cinema americano. Loira de cabelo prata, olhos vivos e brilhantes, com uma pele bonita e sempre bem vestida, nunca a vi sorrindo em nenhuma foto.

Ela foi escondida para a Itália na segunda guerra mundial, tinha 15 ou 16 anos e serviu como voluntária numa enfermaria. Alguns dizem que ela fugiu porque estava grávida, ela me contou que queria apenas embarcar em uma aventura. E dizia sorrindo que os italianos eram lindos de doer.

Gostava do modo como ela fumava um daqueles seus cigarros finos, em piteiras antigas de marfim, já amarelado e manchando. Sempre acompanhado de um copo comprido preenchido de seu Campari. Minha mãe diz que é bebida de antigas meretrizes. Minha tia dizia que meretriz é a mulher que se casa sem amor.

Ela sempre ouvia música em um quartinho separado em um canto de sua casa. Lá ninguém podia entrar e diversas vezes, eu ficava sentado na beirada da porta, escondido, ouvindo suas cantoras de voz suave e línguas estrangeiras.

Um dia ela me chamou enquanto ouvia música. Primeiro corri assustado e então ouvi ela me chamando baixinho, dizendo que era para eu sentar com ela e ouvir de dentro.

Me colocou em seu colo e ficamos ouvindo um bom tempo as músicas tocadas pela agulha. Ela tinha um sorriso no rosto e me pediu para eu abrir uma gaveta, que se encontrava numa escrivaninha velha, eu tinha 8 anos, aonde tinha uma foto antiga e em preto e branco de um piloto. Ele era muito bonito.

“Esse meu filho é o único homem que eu amei.”

Ficamos ouvindo o disco até o fim e com a foto em nossas mãos. Então ela me abraçou com força e tocou meu cabelo enquanto beijava meu rosto.

“Nunca peça uma mulher em casamento. Faça que ela jamais se case por pensar sempre em você.”

Ela morreu nessa madrugada. Sem idade, amando apenas um homem e foi muito feliz por isso. Vou sempre me lembrar da tarde que ouvimos música juntos, do cheiro de seu Capri, de suas cantoras européias e do Campari em seu copo.

Um comentário:

Mah disse...

essa Tia Regina deve ser gente boa pacas. Outrora, conheci uma Tia Helena que nem minha tia é, mas gostei por demais da figura. Carioca, adora uma Itaipava e não larga seu Charm por nada na vida. Tia Leninha e Tia Regina são as tias do Rio. Saudoso Rio.