segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O último

Levanta cedo e vai direto para o banheiro chutando as coisas pelo chão. Olha no espelho tempo suficiente para ter a certeza que continua com o mesmo olhar de ontem, a mesma fome que o consome por dentro e que não pode de forma alguma deixar passar a oportunidade como fez.

Veste uma calça suja e sua blusa amarrotada, faz um nó torto na grava e veste a mais mal cheirosa meia que pode encontrar em meio a muda úmida e mofada de roupas. Realmente não está se importando.

Abre o armário e de dentro de uma caixa de sapatos, pega o revolver que havia guardado por dois anos, o período que saiu da polícia, e põem dentro de sua calça, sentido o gelado do cano incomodando sua virilha.

Desce pelas escadas, toma seu pingado sem falar com ninguém e parte para o ponto de ônibus, a linha para Taguatinga demora no final de semana saindo do Plano, mas não quer ir até a rodoviária. Prefere esperar por 40 minutos, mais uma hora e meia até Taguatinga Centro.

Olhando para o relógio ele vai até o orelhão e liga mais uma vez.

- Bom dia.
- Quero me encontrar com você. Estou na Praça do Relógio.
- Eu não atendo tão cedo.
- Pago R$ 200,00.

Ela suspira alguma coisa no telefone e então ele a ouve conversando com alguém. Mas parece que finalmente se decide.

- Tudo bem amor. Espera dez minutinhos e pode subir. Tem o número da entrada?
- Tenho sim.

Ele pede um suco de caixa na padaria em frente e compra um brigadeiro grande para viagem. Quando passa os dez minutos ele bate na porta.

- Oi querido. Pode entrar.

Ele vai caminhando direto para a cama e olha debaixo dela, abre os armários e afasta as cortinas.

- Não tem ninguém aqui. Você vai transar ou fuçar minha casa?

Ele tira a arma e aponta direto para a barriga dela. A mulher se contrai e aperta com as mãos sujas de sangue o ventre caindo de cara para o chão.

- Ontem você me disse que me amava. Disse que precisava de mim e eu sei que outro cara entrou aqui logo depois. Logo depois!

A jovem chora e aperta com força a imagem da santa que sua mãe deu quando saiu de casa. Ela está chorando e implorando que Deus a perdoe enquanto morre ao lado do homem que começa a tirar suas roupas enquanto come um brigadeiro.

- Posso não ter sido o único, mas certamente serei o último.

2 comentários:

Jaqueline Lima disse...

Pitadas de Benjamim.

Mah disse...

carajo!

o toque do brigadeiro foi fenomenal.