quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Tempo ruim

Queria apenas chegar em casa e tirar meu sapato, ele estava apertado e uma parte do solado estava gasta, sempre que tirava ele do meu pé notava minha meia rasgada e uma bolha onde antes era minha pele.

A maldita vizinha do andar de cima estava reclamando sobre o cheiro de lixo antes mesmo de abrir minha porta. Disse que eu não sabia o significado da palavra convivência e respeito. Respondi cordialmente com um meio sorriso e um escarro marrom erverdeado na parede de minha porta.

Já estava cansado do cheiro de ovo podre na pia. Um dia pensei em fazer um macarrão com ovo e ele acabou escorrendo para dentro da pia, o número de pratos sujos e a água com gordura me impediram de buscar o ovo. Mas hoje estava particularmente cheirando mal.

Abri a janela e apontei o ventilador para a pia. Abri a garrafa de conhaque enquanto limpava meu nariz tirando uma casca dura e acompanhada de sangue. Tinha que fazer alguma coisa para comer e o gás tinha acabado. Peguei o que tinha sobrado de comida chinesa e taquei o extrato de tomate por cima.

Sabia que não tinha nada para assistir na televisão, estava cansado dos filmes pornôs que tinha comprado na feira e estava começando a me sentir bêbado o bastante para abrir minha gaveta e sair para a rua.

Abro uma lata de cerveja morna enquanto folheio um álbum de fotos. Aqui tem um número e uma foto de uma menina que não vejo a mais de 10 anos. Seguro o telefone em meu peito duas vezes antes de começar a discar.

-Alô?
...
-Alô? Quem fala?
-É o Arnaldo.
...
-Eu sei que você pediu para eu nunca mais ligar...
-Então por que ligou?
-Quero falar com a Juliana.
-Ela está na escola. Faz curso de espanhol durante a tarde.
-Espanhol é? Porque ela não está falando inglês ou algo assim?
-Ela já fala.
-Já fala... Que bom que ela saiu esperta ao contrário de nós dois.
-Agradeço a Deus todos os dias por isso.
-Como vocês estão?
-Bem. Muito melhor do que viver ao lado de um bêbado, que batia em nós duas.
-Você sabe muito bem que nunca encostei um dedo nela.
-Graças a mim.
-Ela nunca perguntou sobre mim?
-Algumas vezes perguntou. Mas hoje já é uma moça não pergunta mais.
-Queria mandar um presente de aniversário.
-Sabe quando ela faz aniversário?
...
-Tchau Arnaldo. E na próxima vez que ligar, esteja sóbrio pelo amor de Deus. São apenas uma da tarde.

O telefone solta um sinal de ocupado. Ocupado com meus dias, meus problemas e minhas escolhas para afastar esposa, amigos e minha filha. Deixo isso de lado, abro o jornal nos classificados, última página:

“Morena BB, completinha para você. Atendo só de calcinha. 707n. Telefone...”

Ainda tenho R$ 120,00 na minha carteira e falar com minha ex mulher, continua me deixando de pau duro.

Um comentário:

Aloprado Plantonista disse...

Muito bom! Desinibido e suburbano, espero ver mais textos com essas qualidades.