terça-feira, 8 de julho de 2008

Uma mulher morreu no ônibus hoje pela manhã

Ela tinha 62 anos, era natural de Sergipe e seu nome era Dolores de Alcântara. Essas foram as informações deixadas em sua carteira, além de uma caixa de remédio para a pressão, papéis de sonho de valsa (exatamente quatro todos dobrados), uma conta de telefone de 84 reais e um caderninho com pequenos textos anotados a cada página.

Ela estava do meu lado e pediu para segurar meus livros enquanto estava em pé esperando espaço para passar a catraca. Em meio a um suspiro ela segurou o meu braço e pousou a mão sobre o peito, ela olhou para a janela e então morreu. Senti sua mão afrouxando enquanto algumas pessoas olhavam para mim e para ela.

- Motorista, pára o ônibus pelo amor de Deus!
- Minha nossa senhora.
- Hospital agora.
- Delegacia.

As pessoas gritavam sobre várias coisas e eu sabia que ela já estava morta. Poderíamos sair correndo para o hospital ou qualquer outro lugar, mas essa senhora já não estava ali realmente. Quem quer que fosse, quem amou, quem fez feliz e quais foram seus sonhos não estavam mais ali para comentar ou dizer nada. Nada além da educada forma que pediu para segurar meus livros que agora pousavam no chão do ônibus.

Todos estavam se afastando dela quando peguei sua bolsa e procurei saber quem era. Existia seu nome e uma conta de telefone com um número, seria o dela?

- Alô. Bom dia.
- Bom dia.
- Por acaso é da casa da senhora Dolores?
- É sim. Quem fala?
- Eu estou no ônibus que ela está...
- Meu Deus... Minha mãe. Minha mãe está bem? O que aconteceu?
- Ela passou mal no ônibus. Estamos indo para o hospital com ela.
- Que hospital?

Meus créditos acabaram. Não deu tempo de perguntar ao motorista e alguém ouviu apenas as palavras de um estranho que tentava conversar com calma e criando uma pequena mentira para uma pessoa aflita do outro lado da linha.

- Alguém tem créditos?
- Liga a cobrar.

O telefone não aceitava ligação a cobrar e parece que todos não tinham créditos, ou não queriam gastar os seus para tranqüilizar um estranho com mentiras sobre a sua mãe morta.

Fiquei ao lado dela, arrumei suas coisas e peguei os meus livros que estavam no chão. Em seu caderno tinha palavras cuidadosamente desenhadas, com uma pequena lista de compras, marcado de vermelho com um desenho de estrelas itens que tenho para mim, ser importantes:

Estrela – Caderno de 50 páginas
Estrela – Uma caixa de Bis
Estrela – Cadarços novos de cor branca

Um caderno, chocolate e cadarços brancos. Queria poder perguntar o porque esses itens são importantes Dona Dolores uma pena que estamos chegando ao hospital.

- Alô.
- Minha mãe está bem?
- Acabamos de entrar com ela no Hospital de Base.
- Como ela está?
- Ela estava desacordada quando chegamos com ela.
- Minha mãe tem pressão alta. Ela toma remédios.
- Qual é seu nome?
- Camilo.
- Camilo, por acaso você sabe o por que ela iria comprar um caderno, chocolates e cadarços novos?

Um adulto começou a chorar no telefone antes de desligar.

Uma senhora morreu no ônibus hoje e por algum motivo me sinto triste. Quero muito ver minha avó.

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