sexta-feira, 4 de julho de 2008

Carmem

Conheci Carmem em um aeroporto a caminho do Chile. Estávamos os dois no portão de embarque, quando vi todos os vôos mudando seus horários para o vermelho escrito atrasados. Mais uma crise no nosso sistema aéreo que iria possivelmente me fazer perder uma reunião de negócios que iria unir empresas em um acordo de 70 mil reais mensais.

Estava junto com uma massa de pessoas em um guichê, enquanto uma jovem de gravatinha azul pedia desculpas em um som monótono e pausado. Saí com minha gravata um pouco mais aberta e com o terno jogado sobre minha mala. Foi o tempo de massagear meus cabelos e esfregar meus olhos que notei seu sorriso em minha direção.

Por mais bonita que essa mulher fosse, seu sorriso me irritou mais do que eu já me encontrava irritado. Algo em seu desdém sobre minhas obrigações, como se uma mulher que estava portando apenas um caderno, um livro e uma pequena mala (possivelmente para férias) pudesse entender sobre viagens de negócios.

- Posso saber do que você está rindo?

- De seu desespero. É apenas um atraso.

- Não, não é apenas a porra de um atraso. Preciso estar em Santiago no horário previsto para uma reunião importante e se me atrasar demais irei perder um importante acordo entre empresas.

- A imagino que iria ganhar muito dinheiro com essa empresa.

- Bastante.

Então ela se levantou e veio em minha direção com seu livro. Ao abrir, possuía uma foto de uma praça aonde podia ver uma linda jovem olhando uma árvore.

- Essa é minha mãe. Ela tirou essa foto em 64 quando estava exilada.

- Bonita foto.

Estou mais uma vez olhando para o celular, olho para o guichê, volto meu olhar para o painel em vermelho e sinto sua mão sobre a minha.

- Ela tinha 19 anos nessa foto e disse que foi tirada pelo maior amor da vida dela.

- Então você vai para o Chile buscar o grande amor de sua vida. Sim, por isso você está calma. Esses tipos de besteiras podem esperar o tempo que for.

- Amor? Desde quando podemos esperar amor? E quem disse que isso é uma besteira?

- Pelo amor de Deus. Olha... Qual é seu nome?

- Carmem.

- Como a santa?

- Como a ópera.

- Então bucólica e romântica Carmem. Acredito que irá encontrar o seu grande amor no Chile. Você é uma mulher bonita, tem brilho no olhar e é jovem. Com certeza não terá problema algum em encontrar o amor. Só espero que quando chegar a Santiago, encontre uma pessoa que ganhe bem, por levar a sério o seu trabalho e possa cuidar muito bem de você.

- Qual é o seu nome?

- Hugo Parentes.

- Hugo, vou tomar um café com conhaque. Acredito que ficar nervoso não irá adiantar os vôos, gostaria de tomar um café comigo?

- Para quê?

- Acredito que possa te salvar com duas xícaras.

- Você está dando em cima de mim é isso? Me cantando quando estou esperando um vôo importante e estressado?

- Não senhor Parentes. Estava dando em cima de você quando estava olhando para ti enquanto ia até o guichê. Normalmente vocês homens não percebem esses sinais.

Ela me beijou com calma e de uma forma tão doce e apaixonada que não me importei mais com a viagem, com o atraso ou a reunião.

Cinco horas depois estávamos sentados em uma praça tirando fotos enquanto um celular insistia em tocar em meu paletó.

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