terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Apenas em um café

A jovem está sentada olhando para a mesa há exatos vinte minutos, sei disso por conta do alarme do forno, tinha acabado de colocar as tortas quando ela entrou e sentou olhando para um caderno a sua frente.

Recusou a garçonete duas vezes e está olhando para suas linhas e a caixa de Luke Strike. O olhar pousa algumas vezes sobre o aviso de não fumar e então ela desiste de abrir o pacote e continua olhando para o caderno.

Sirvo o café em minha xícara, tem uma área escrita: “Não confie em quem não fuma.”

- Tome, é por conta da casa.
- Obrigada.

Volto ao balcão, notando sua reação ao ler a frase em sua xícara. Ela abre um sorriso e então olha para mim levantando a caneca. Vejo que ela retoma suas linhas, escreve com vontade e fúria. Rasgando algumas páginas, riscando outras, tomando uma caneca de café atrás da outra. E então exausta parece que encontra o que precisava.

- Sei que é de graça. Mas tomei café demais. O que eu posso comprar aqui?
- Não sei. O que gostaria de comprar?

Ela olha para a caneca, na verdade está segurando com tanto zelo que não consigo evitar de rir.

- É sua.
- Não posso simplesmente aceitar. Me dê um valor.
- Não posso, foi um presente.

Então ela olha em volta, segura a caneca entre suas costelas e cotovelo enquanto mexe em sua bolsa e segura com a boca seu caderno junto a Bic. Tira chaves, batom, algumas fotos cortadas, notas amassadas e dois pequenos livros velhos e gastos. Coloca tudo sobre o balcão e olha atenta.

- Não consigo imaginar nada tão importante quanto essa caneca.
- Não precisa me dar nada. Acho que já era hora dessa caneca ir embora, ela estava querendo sair desse balcão a anos.

A menina sorri e então arranca a folha de seu caderno. Dobra com cuidado a área próxima ao arame e com sua língua umedece o papel, como quem aperta um cigarro, e arranca uma tira branca.

- Acho que era hora deste texto ir embora também.

Ela sai pela porta e me deixa um texto dobrado como o pagamento por minha xícara e quase uma jarra de café. Uma troca justa ao meu ver.

2 comentários:

Amanda Carvalho disse...

Amei o texto Edu! Muito gostoso de ler! Acho que preciso de café também viu!! Tô gostando de ver as atualizações mais que diárias daqui! Se cudia menino...

Anônimo disse...

Faça exatamente assim, meu poeta: escreva, narre e pinte no imaginário belas e inesquecíveis cenas como a dessa menina com um Galeano surrado dentro da bolsa. Lindo texto. Um dos melhores. Obrigada por me apresentar essa menina linda que existe nas tuas linhas.

Ich liebe Dich