Santiago nunca teve grandes ambições, apenas viver lhe bastava.
Ser o mais monótono ser humano de toda existência e passar despercebido pelo
planeta. De certa forma ele já tinha sido moldado para isso, Santiago nascera em
Brasília.
O que simboliza a rotina para um homem que é um verdadeiro
ciclo vicioso? Ele não conseguiria ser mais superficial mesmo que tentasse,
convenhamos, ele nunca tentou nada de verdade. Seus dilemas, suas fraquezas,
suas crises, seu olhar para a janela perguntando-se: “Por que não me atiro de
vez?” Mas sabemos o motivo, Santiago era apático demais até para uma decisão sobre
o fim de sua apatia.
Em algumas raras ocasiões esta sensação sublimava e parecia
que ele fazia parte de algo mesmo em uma multidão. Sabe quando olhamos para um
grupo de pessoas andando no centro de alguma grande cidade, como São Paulo, Nova
York ou Tóquio? Sentimos que no meio daqueles olhares apressados, em direções
mescladas, existe alguma unidade, uma espécie de finalidade urbana orgânica.
Quase como um modo da cidade dizer que naquele instante os olhares vazios estão
em uníssono gritando: “Somos um! Temos uma função!” Talvez ali, naquele
momento, Santiago poderia fazer parte de algo, mas estamos falando de Brasília e
em Brasília multidões duram apenas o tempo de atravessar uma faixa de pedestre
na rodoviária.
Não. Ele não poderia buscar nenhuma finalidade para si,
nenhuma forma de superação para sua pequenez e solidão. Bastava estar sozinho
para olhar diretamente aqueles que dizem não estar para ter a certeza que, de
fato, todos estamos. Casais sem assuntos sentados na mesa, pais lembrando-se
por um segundo do porquê tiveram filhos, jovens gritando por mudanças que não
acreditam e bêbados buscando companhia para virar copos enquanto sofrem
sozinhos. Todos vivendo um ciclo de companheirismo cênico dia após dia.
Atravessar a cidade no final da noite era um dos poucos
momentos de euforia de seus dias. Saía de casa perto das 10 da noite no final
da W3 Norte em sentido a rodoviária para depois voltar. Sempre ficava próximo
da janela, colando sua testa protuberante e gordurosa no vidro gelado. Gostava
de olhar as prostitutas fumando nas paradas, algumas vezes descia e esperava por perto o próximo ônibus que completaria seu destino. Nunca pensou
em sair com uma delas. A simples ideia de convidar uma prostituta para dentro
de um ônibus não fazia sentido e ele nunca aprendeu a dirigir. Convidar uma delas para ir andando também não parecia correto, mesmo que uma
das paradas estivesse a menos de 100 metros de sua kitnet. Não, ele preferia assistí-las, seja passando por elas ou aguardando o ônibus na parada. Carregava consigo um maço cheio de cigarros que nunca fumava, mas sempre oferecia.
Em sua casa ele não possuía nada além do mais funcional
possível. Sem televisão, sem rádio, sem livros, sem animais, sem plantas, sem
fogão. Apenas uma mesa de centro vazia, um armário com suas roupas, sua cama,
um frigobar e um quadro que até hoje não sabe o porquê comprou na Feira da
Torre. Tinha algo naquele quadro que chamou sua atenção à primeira vista. Algo
sobre as cores talvez, ou a ausência delas. Não saberia dizer, nunca entendeu
nada sobre arte e jamais pesquisou a respeito. A compra desta peça era uma
incógnita e talvez por isso todas as noites ficasse olhando para ela por alguns
instantes antes de dormir.
O que simboliza a rotina para um homem que é um verdadeiro
ciclo vicioso? Para Santiago a rotina era uma benção, um salvo conduto. Não ter
que planejar os seus dias era o que mais o agradava. Acordar ao toque do
despertador, escovar seus dentes, tomar o seu banho, descer até a padaria para
tomar seu café da manhã, ir ao trabalho, sair para o almoço, voltar ao
trabalho, ir para casa, tomar outro banho, pegar um ônibus até a rodoviária
para depois voltar para casa olhando as prostitutas antes de perder o seu olhar
no quadro e ir dormir. Santiago nunca teve grandes ambições, apenas viver lhe
bastava. Ser o mais monótono ser humano de toda existência e passar
despercebido pelo planeta. De certa forma ele já tinha sido moldado para isso,
Santiago nascera em Brasília.
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