A jovem está sentada olhando para a mesa há exatos vinte minutos, sei disso por conta do alarme do forno, tinha acabado de colocar as tortas quando ela entrou e sentou olhando para um caderno a sua frente.
Recusou a garçonete duas vezes e está olhando para suas linhas e a caixa de Luke Strike. O olhar pousa algumas vezes sobre o aviso de não fumar e então ela desiste de abrir o pacote e continua olhando para o caderno.
Sirvo o café em minha xícara, tem uma área escrita: “Não confie em quem não fuma.”
- Tome, é por conta da casa.
- Obrigada.
Volto ao balcão, notando sua reação ao ler a frase em sua xícara. Ela abre um sorriso e então olha para mim levantando a caneca. Vejo que ela retoma suas linhas, escreve com vontade e fúria. Rasgando algumas páginas, riscando outras, tomando uma caneca de café atrás da outra. E então exausta parece que encontra o que precisava.
- Sei que é de graça. Mas tomei café demais. O que eu posso comprar aqui?
- Não sei. O que gostaria de comprar?
Ela olha para a caneca, na verdade está segurando com tanto zelo que não consigo evitar de rir.
- É sua.
- Não posso simplesmente aceitar. Me dê um valor.
- Não posso, foi um presente.
Então ela olha em volta, segura a caneca entre suas costelas e cotovelo enquanto mexe em sua bolsa e segura com a boca seu caderno junto a Bic. Tira chaves, batom, algumas fotos cortadas, notas amassadas e dois pequenos livros velhos e gastos. Coloca tudo sobre o balcão e olha atenta.
- Não consigo imaginar nada tão importante quanto essa caneca.
- Não precisa me dar nada. Acho que já era hora dessa caneca ir embora, ela estava querendo sair desse balcão a anos.
A menina sorri e então arranca a folha de seu caderno. Dobra com cuidado a área próxima ao arame e com sua língua umedece o papel, como quem aperta um cigarro, e arranca uma tira branca.
- Acho que era hora deste texto ir embora também.
Ela sai pela porta e me deixa um texto dobrado como o pagamento por minha xícara e quase uma jarra de café. Uma troca justa ao meu ver.